Britney Spears: uma vida muito Black Mirror?




Britney Spears é uma das maiores popstars do planeta. Começou sua carreira musical em 1998 e, desde então, tornou-se uma das celebridades mais acompanhadas do mundo. Cada passo de sua vida é noticiado na mídia americana e internacional, principalmente depois do ano de 2007, quando Britney teve uma série de problemas, os quais a encaminharam para uma conservadoria que dura até os dias atuais. Nesse meio tempo, Britney lançou três turnês mundiais (Circus, The Femme Fatale e Piece of Me), fez 4 álbuns (Circus, Femme Fatale, Britney Jean e Glory) e se apresentou, entre 2013 e 2018, em sua rentável residência em Las Vegas, chamada Piece of Me. Tudo estava bem, a cantora, inclusive, ia fazer uma nova residência na cidade do pecado e os ensaios estavam sendo mostrados em suas contas nas mídias sociais. Mas uma postagem no Instagram colocou um fim nos planos de Britney. Ela divulgara que seu pai estava sofrendo com um grave problema de saúde e que ela ficaria afastada dos palcos por um longo período para ficar com a família. E desapareceu das redes sociais por muito tempo (entre janeiro e abril).


Algum tempo depois desse sumiço, as hosts do podcast Britney’s Gram receberam uma ligação de um suposto funcionário do escritório do advogado Andrew Wallet, o qual trabalhou como co-conservador da artista, juntamente com o pai da cantora. Ele afirmou que Britney estava internada em uma clínica psiquiátrica contra sua vontade. Então muita coisa começou a surgir na mídia acerca do assunto. Mas o mais assustador de tudo isso seria o fato de que a popstar fora internada, pois se recusou a tomar os remédios que seu pai queria. Por agir de forma “rebelde” e indo contra à vontade de seu conservador, ele cancelou a residência e a colocou nesse lugar. O que ele não esperava é que todo mundo ficaria sabendo. Quando isso começou a pipocar por toda a parte, surgiu, depois de séculos, um post no Instagram da popstar, onde Britney disse que estava tirando um tempo para si. Seus representantes, por sua vez, soltaram uma nota na mídia, dizendo que Britney estava internada em uma clínica há um mês, que ela tinha resolvido ir para o lugar, pois estava muito estressada com o fato da quase morte de seu pai, Jamie. 


Como ninguém se convenceu disso, explodiu o movimento Free Britney em todas as redes sociais, exigindo que os juízes da Califórnia tomassem providências. Inclusive a mãe de Britney, Lynne, contratou um advogado para se informar mais sobre a conservadoria e ter acesso aos dados médicos da cantora. Os apelos dos fãs deram certo. A popstar, inclusive foi ouvida em uma audiência, onde ela afirmou que seu pai a internou contra sua vontade por não tomar os medicamentos que ele queria. A partir daí, uma juíza determinou que a conservadoria — e os negócios feitos pelos conservadores desde 2008, sejam analisados. E uma das razões para isso ter acontecido vai de encontro com várias notícias que saíram na mídia, as quais mencionam que a fortuna de Britney pode estar sendo usada de forma ilícita pelo seu conservador e seus empresários. 


O movimento Free Britney não é  algo novo, visto que começou em 2009. O site Breathe Heavy, que era um dos maiores fansites da cantora, acusava os conservadores de estarem abusando psicologicamente de Britney e também prejudicando seu bem-estar e suas finanças. Inclusive, o responsável pelo website foi ameaçado pelo pai de Britney. Uma das alegações do fã seria que ela estaria sendo chantageada por Jamie. Toda vez que ela tentava algo espontâneo, ele a ameaçava, dizendo que iria tirar seus filhos dela. O que é uma acusação que é confirmada pela cantora em uma carta que ela teria mandado escondida para a imprensa. 


Britney é uma mulher de 37 anos que não responde por si mesma. Todas as decisões de sua vida são feitas por seu pai. Até certo tempo atrás, ela não podia se quer usar um smartphone. Todas as suas ligações são monitoradas. Ela não pode ir para lugar nenhum sem um segurança. Está terminantemente proibida de entrar em lugares que vendam bebida alcóolica. Ela não pode se casar com ninguém. Inclusive, por um longo período, não podia dirigir. Depois que as acusações contra seu pai e seu time apareceram na mídia e eles passaram a ser investigados, eles começaram a dar mais liberdades para Britney. Ela já foi vista dirigindo várias vezes. E assumiu o “controle” de suas redes sociais. Antes, tudo que ela postava, tinha que ser aprovado pelo seu time antes de ir ao ar. É uma novela que já dura 11 anos e está longe de terminar, visto que seu pai solicitou que sua conservadoria seja estendida para o estado natal de Britney, a Louisiana e também para o Hawaii e Flórida, que são destinos habituais da cantora.

Bom, em meio a tudo isso, a Netflix liberou a nova temporada de Black Mirror. Em um dos episódios, a cantora Miley Cyrus (que é uma das maiores fãs de Britney), interpreta uma cantora, chamada Ashley O. Essa popstar da ficção usa uma peruca roxa com corte chanel (Britney costumava usar o mesmo modelo rosa em 2007 e uma versão loira na versão internacional do clipe de Piece of Me). Ela tem a carreira controlada pela  tia, a qual a obriga a tomar remédios ilegais para controlá-la, principalmente quando ela começa a apresentar um comportamento errático.  Ashley está decepcionada com os rumos de sua carreira. Ela não quer ser uma cantora pop. Suas músicas, que costumavam ter sempre uma mensagem positiva, começam a apresentar um lado mais dark. Quando sua tia descobre que ela não está tomando os remédios, ela resolve misturar as pílulas na comida de Ashley, fazendo que ela entre em coma.  E, mesmo assim, sua empresária continua encontrando maneiras de explorá-la.




O fandom de Britney já foi logo tirando conclusões sobre o episódio, acreditando que realmente seria baseado na vida da cantora. Miley não desmentiu. Inclusive, a cantora já foi vista se posicionando a favor do movimento #freebritney. E estão pipocando pela internet comparações, as quais eu concordo inteiramente. Como as seguintes:

- Ashley tenta se libertar de sua imagem “perfeita”. Britney tentou ir pelo mesmo caminho. Assim como Ashley, ela escreveu várias canções, as quais foram gravadas para seu álbum The Original Doll, o qual nunca foi lançado. Algumas canções foram vazadas e podem ser ouvidas no YouTube, como Mona Lisa. Britney chegou a levar o single para ser tocado em uma rádio da Califórnia sem o conhecimento da gravadora. Depois disso, o seu disco foi abandonado e a música foi lançada sem muita atenção em um CD que acompanhava o DVD do reality show de Britney, Chaotic. A letra da canção parece ser uma profecia do ano de 2007. Não é a única canção que dá pistas sobre o descontentamento de Britney com o controle total de sua vida. Muito antes da conservadoria, ela escrevera a música Rebellion, onde ela dá pistas sobre o abuso de pessoas próximas;

- Ashley é obrigada a tomar remédios que não quer, assim como Britney. Quando se nega, a cantora da série entra em coma. Britney é colocada em uma clínica psiquiátrica;

- O empresário de Britney, Larry Rudolph, trabalhou com Miley por um tempo e foi o responsável pela fase de hipersexualismo de Miley, quando a mesma lançou o single Wrecking Ball. 

O episódio foi elogiado pela cantora Ariana Grande, outra mulher que vive dentro da indústria musical e sofre com toda a sua pressão. É notório que muitas dessas meninas, que entram tão novas nesse meio tóxico, são moldadas, submetidas a cirurgias plásticas, dietas, mudanças de estilo, de tom de voz (que foi algo feito com Britney), tudo para agradar o mundo e passar essa imagem de perfeição. Como começam quase sempre na adolescência, acabam tendo suas vidas completamente escrutinadas pelo público e não podem, de nenhuma maneira, apresentar nenhuma rachadura.
Em uma entrevista para a revista Glamour em 2014, a cantora Selena Gomez deu algumas pistas sobre o que significava ser uma popstar:

“Eles me pressionam (dizendo): “Você tem que ser sexy, você precisa ser fofa, você precisa ser legal, você tem que ser todas essas coisas. Eles te dizem o que vestir, como parecer, o que eu deveria dizer, o que eu deveria ser”.

Britney obviamente tornou-se rebelde, pois virou  uma celebridade muito cedo e precisava seguir todo um roteiro, com uma personalidade moldada. Seu primeiro álbum explodiu quando ela tinha 17 anos. Desde lá, são vinte anos na frente das câmeras. Ela não pode ir até a farmácia sem ser perseguida por dezenas de paparazzis. Ela precisa andar na linha, pois se desviar um centímetro do percurso, se torna notícia em todo o planeta.

Madonna deu uma declaração para o documentário For the Record sobre essa super exposição:

 “Fui muito privilegiada em minha vida de poder ir para Nova York, cometer erros e situações terríveis aconteceram, tomar decisões equivocadas. Escolher pessoas erradas para fazer coisas, sem que o mundo te olhe com uma lupa. E ela nunca teve essa oportunidade”. 

No mesmo documentário, Britney disse algo interessante: “nada te prepara para o estrelato. É algo muito complicado”. E realmente ela tem razão. Se o episódio de Black Mirror é baseado em Britney ou não, não é importante, mas com certeza ele é relevante para perceber as amarras que muitas artistas são submetidas para ter uma carreira. Britney é só mais uma delas. Talvez seja a mais penalizada. Ao mesmo tempo que é adorada, é controlada pelo olhar do público, da mídia e de sua conservadoria. É muito controle. Vindo de toda a parte. Qualquer pessoa numa situação dessas estaria vulnerável e poderia cometer os mesmos erros de 2007. Mas seria extremamente mais fácil contornar a situação, pois não somos uma “máquina de dinheiro ambulante” como ela. Infelizmente, para muita gente na indústria e, até mesmo para os conservadores, parece que essa é a única visão que eles conseguem ter da cantora. Pois se ela está tão debilitada mentalmente como alegam, por que razão não permitem que ela se aposente ou se afaste dos holofotes? É realmente estranho que uma mulher de 37 anos não possa controlar a sua vida, mas consiga fazer sucessivas turnês mundiais, decorando toda a coreografia do show, gravando discos e fazendo outros trabalhos. Eu acho estranho que continuem considerando-a como alguém incapaz de controlar seu destino. Você não?





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