Noites Brancas: A História de Jonestown







Homens tiranos fazem parte da humanidade desde os primórdios desse planeta. Muitos deles estavam escondidos na pele de cidadãos absolutamente ordinários que, ao serem nutridos pelo poder, tornaram-se verdadeiros monstros, capazes de qualquer coisa. Jim Jones está nesse hall de criaturas perversas. Nesse artigo, eu tento explicar para você como um religioso de uma pequena igreja de Indianápolis se transforma em um dos maiores assassinos em massa da história moderna. 


 
 
O começo de tudo 
 

 

James Warren Jones nasceu em 13 de maio de 1931, em Crete, Indiana (EUA), fruto do casamento entre James Thurman Jones e Lynetta Putnam. James Thurman era um veterano da Primeira Guerra Mundial e foi vítima de um ataque com gás no front europeu. Ele retorna para os EUA com sérios problemas de saúde. Apesar da família de Jones ter bastante dinheiro, o ex-soldado não recebia nenhuma ajuda financeira. Quando Lynetta Putnam, que estava em seu terceiro casamento, casou-se com James, a jovem imaginava que teria uma vida farta, mas os pais de James só cederam um lugar para que o casal pudesse morar. Para piorar a situação, como Jones não conseguia trabalhar por longos períodos por causa de sua condição física, Lynetta trabalhava em uma fábrica para sustentar a família.

Quando o pequeno Jim completou quatro anos, James e Lynetta se mudam para Lynn, cidade localizada nas cercanias de Crete, onde conseguiram alcançar uma vida um pouco mais modesta. A criança nascera em um momento muito difícil dos Estados Unidos. O país havia entrado em uma catástrofe financeira advinda da quebra da Bolsa de Valores. Por causa disso, a penúria era uma constante na vida dos Jones. Em uma de suas centenas de gravações, Jim afirmou que a sua infância em Lynn foi um período muito doloroso. Ele nunca aceitou muito bem o fato de ser filho de pais pobres. Ele sempre fantasiava que havia nascido na família errada.

Por causa da pobreza familiar, o pequeno Jim se sensibilizava muito com a situação da comunidade negra. Em dado momento, convidou o único homem afro-americano que vivia na cidade para visitar a sua casa. O pai de Jim, que era membro da Ku Klux Klan, ficou furioso. Eles ficaram anos sem se falar depois desse incidente. Isso não mudava muito a dinâmica da família, pois o menino não era próximo de seus genitores. Enquanto a mãe trabalhava em uma fábrica durante o dia e seu pai passava a maior parte do tempo consumindo refrigerante, e jogando cartas, o garotinho perambulava pelas ruas de Lynn. Em certa ocasião, uma mulher da cidade, chamada Myrtle Kennedy, passou a levá-lo para uma congregação religiosa para que o menino tivesse alguma “estabilidade”. Foi nesse momento que ele começa a se interessar por religião.

Nesse mesmo período, Jones passou a assumir um comportamento bizarro. Ficou obcecado pela morte. Ele visitava a fábrica de caixões da cidade e costumava fazer enterros para os animais mortos que encontrava na região, convidando seus amigos para acompanhar o cerimonial fúnebre. Caso eles não participassem, Jim costumava apresentar um comportamento agressivo. Certa vez, matou um gato com uma faca na frente de todos e o enterrou. Essa não seria a única oportunidade que ele praticara maus-tratos contra animais. Durante a adolescência, ele matou um cachorro de rua nas dependências da escola onde estudava. Acho que aqui temos o primeiro sinal de alerta sobre Jim Jones. Segundo a bibliografia sobre psicopatia, cerca de 80% dos psicopatas matam animais na infância. Jones, ao longo de sua vida, apresentou outros traços desse transtorno. Era um homem egocêntrico, com uma facilidade muito grande para enganar, manipular e prejudicar pessoas de muitas formas. Tinha muito charme, não demonstrava remorso e tinha reações explosivas, as quais foram potencializadas quando o religioso começou a fazer uso de drogas na década de 70.

Ainda na pré-adolescência, as pessoas de sua cidade estavam muito envolvidas pela Segunda Guerra Mundial e torciam pelos Aliados – o grupo de países que combateu os avanços nazistas. Jones, por outro lado, nutria uma admiração profunda por Hitler. Ele amava a maneira que o ditador alemão discursava e o modo como ele conseguia conquistar pessoas. Depois de passar um tempo na igreja dos Nazarenos por influência de sua vizinha, Jones passou a frequentar várias denominações da região. Sua parte favorita era o momento em que os líderes religiosos compartilhavam o seu sermão. Ele ficava maravilhado com o poder que aqueles homens tinham na comunidade. Jones também possuía muita facilidade em decorar passagens inteiras da Bíblia. E isso seria decisivo para o seu futuro. Sua mãe também teve bastante influência no destino de Jim. Nas poucas conversas que mantinha com o filho, ela costumava dizer que tivera uma visão antes do nascimento do menino e afirmava que ele era uma espécie de messias. Isso alimentou o egocentrismo do garoto. Lynetta sempre foi conhecida por ser uma pessoa extremamente mística. Ela se interessava por reencarnação e nunca frequentava as igrejas de Lynn. Além disso, era conhecida por contar mentiras.

Na adolescência, começam a aparecer mais sinais estranhos na personalidade de Jones. Em duas ocasiões, ele atirou contra dois vizinhos com uma arma de pressão. Apesar dos ferimentos não terem sido graves, ele os desferiu propositalmente. Ele gostava de controle e cometia atos que feriam pessoas. Tanto que ele gostava de manter as crianças menores sob sua tutela para poder cometer pequenas perversidades. Antes de se mudar para Richmond após o divórcio de seus pais, Jones mostrou mais uma vez o seu descontrole e seu instinto vingativo. Ele convidou o vizinho Dan, um jovem que já havia sido ferido por Jim em um incidente com uma arma de pressão, para um jantar de despedida. No fim da refeição, Dan argumenta que precisa ir embora, mas Jones pede que ele fique. Como o jovem não acata a decisão, Jim vai até a sala de sua casa e pega uma espingarda de seu pai, e atira contra o adolescente. Ele consegue escapar por pouco dessa segunda investida.

Quando sua mãe finalmente se divorcia de seu pai, Jim Jones se muda para Richmond (Indiana), onde começa a trabalhar em um hospital. Ele se reencontra com Dan e convence o jovem a trabalhar com ele. Jones parecia ter mudado e ensinou para o adolescente todas as funções da unidade hospitalar. Mas não demorou para que Jim começasse a persegui-lo. Como ele sabia que Dan tinha medo do escuro, Jones constantemente pregava sustos no colega. Certa vez, James o trancou na sala do incinerador. Foi a última vez que os dois se encontraram.

Ainda no hospital, Jim conhece Marceline Baldwin, uma jovem enfermeira em formação. Ela era quatro anos mais velha do que ele. Eles se casam em 1949 na igreja Metodista. Logo após o casamento, ele se junta ao Partido Comunista e falava abertamente sobre o que via de errado nos EUA, como a segregação racial. Jones alimentava uma profunda admiração por líderes da União Soviética, como Stálin e o filósofo Karl Marx.





O começo da vida religiosa

Marceline e Jones brigavam muito por causa de religião. Mesmo sendo conhecido como um pregador, Jim não queria que ela fosse controlada por nenhuma igreja. Segundo o autor Will Savive, ele chegara a dizer para a esposa que Deus não existia. Apesar do grande interesse de tornar-se um líder religioso, Jones decidira estudar Direito, obrigando o casal a se mudar para Indianápolis. Mesmo com as dificuldades financeiras, eles passam a cuidar de Ronnie, um primo de Marceline. O menino de dez anos acabara de perder o pai e sua mãe não tinha condições de cuidá-lo. Nessa época, a família era conhecida por ter muitos animais de estimação, incluindo um chimpanzé que teria morrido, vítima de envenenamento por estricnina. O casamento dos Jones passa a ser marcado pela difícil convivência entre Marceline e Jim. Ele tinha uma personalidade perversa. Ele também fazia brincadeiras agressivas com Ronnie.

Mesmo tendo admitido muito anos depois que nunca acreditara em Deus e que usava a religião para introduzir o socialismo na sociedade, Jones voltou a estudar religião e começou a trabalhar na Igreja Metodista Somerset. A congregação divulgou um memorando onde demonstrava descontentamento com a pobreza nos EUA e o desejo de se aproximar da luta pelos direitos civis de todos os grupos raciais. Jones decide entrar para a igreja e começa a trabalhar como ministro. Após um ano, ele abandona a denominação religiosa por divergência de opiniões sobre questões raciais. A igreja proclamava que queria que a comunidade negra frequentasse as reuniões, mas isso não acontecia de fato. Jones era terminantemente contra a segregação que acontecia nos EUA. Outro aspecto que foi levado em consideração por Jones foi o fato dos encontros da Igreja Metodista serem muito monótonos. Ele resolvera então abrir sua própria igreja e percebeu que queria seguir um modelo mais parecido com o que via dentro das igrejas geridas por afro-americanos, pois elas eram alegres, possuíam uma música vibrante e sermões poderosos.

Conforme ia se aprofundando na religião e frequentando as reuniões do partido comunista, a família de Jones começou a crescer. Quando Ronnie decide que não quer mais ficar com os Jones após um ano morando com eles, o casal adota Agnes, uma criança descendente de indígenas. Seria o começo do que eles chamariam anos mais tarde de família arco-íris. Em 1954, Jones pegou o dinheiro que tinha economizado como ministro metodista e alugou um espaço para abrir sua primeira igreja, chamada de Unidade Comunitária (Community Unity), localizada em um bairro periférico, onde viviam brancos e negros, algo pouco comum na época de segregação. No local, ele passou a protagonizar espetáculos de cura, os quais ele costumava ver na igreja Batista. Nesse momento, ele tenta angariar membros nos bairros pobres, onde a população era quase predominantemente afro-americana. A princípio, a igreja só tinha o discurso de Jones e os espetáculos de cura como destaque. Mas ele tinha outra tática infalível para conquistar as pessoas. Ele ajudava os membros de sua igreja a resolverem pequenos problemas do cotidiano de forma conjunta, dando um aspecto de família para a sua pequena igreja. E isso fez com que a congregação ganhasse novos adeptos facilmente. A sua fama foi se espalhando. Nessa época, a igreja tinha cerca de 150 membros, mas não dava nenhum tipo de lucro. Por isso, Marceline precisava trabalhar como secretária e Jones tinha um emprego pouco usual. Ele vendia macacos-aranha vindos da América do Sul. Cada animal custava vinte e nove dólares. Enquanto vendia os animais, ele aproveitava para prospectar novos membros para a sua congregação. Mas a igreja, obviamente, estava longe de ser aquilo que ele almejava. Por tanto, ele foi trabalhando para alcançar algo maior. Jim sempre foi um megalomaníaco de marca maior. 
 


 
O Templo do Povo

Em 1956, surge a segunda igreja de Jim Jones, a qual foi batizada de Templo dos Povos: Igreja Cristã do Evangelho Pleno (Peoples Temple Full Gospel Church). O reverendo oferecia um espaço onde pessoas de todas as raças e credos possuíam o mesmo valor. Por essa razão, logo a religião de Jones começou a ganhar muitos adeptos e eles chegaram a ter dois mil fiéis na congregação de Indianápolis. Com o sucesso de sua igreja, o reverendo Jones passa a alcançar relevância política. Na nova igreja, Jim conseguia exercer o seu lado mais extravagante. Seus sermões eram dramáticos. Além disso, o reverendo começou a protagonizar novamente os famosos shows de cura. Jones conseguia enganar as pessoas com facilidade. Ao longo da história da igreja, muitas pessoas morreram por acreditarem piamente que tinham sido curadas por Jim. Mas um dos episódios mais bizarros de cura aconteceria na Califórnia. Uma membra acordou com a perna engessada e não lembrava o que havia acontecido com ela. Jones anunciou no sermão daquele dia que aquela jovem havia quebrado sua perna e que seria curada naquele momento. Eles cortaram o gesso e mandaram que ela pulasse. Ela o fez. Os membros ficaram completamente eufóricos e nunca descobriram que ela havia sido drogada na noite anterior para que sua perna fosse imobilizada.

Ainda no fim da década de 50, Jones começou a expandir seus domínios e passou a se apresentar em três estados: Indiana, Michigan e Ohio, sempre com uma grande audiência. Em 1959, um evento traumático desestabiliza a família Jones. Eles haviam adotado mais duas crianças coreanas que ficaram órfãs durante a Guerra da Coreia, Stephanie e Lew. Nesse meio tempo, Marceline descobriu que estava grávida e passava bastante tempo descansando em casa. Em uma das atividades da igreja, Stephanie, que tinha 4 anos, estava sendo transportada por um dos membros da igreja. O carro foi atingido por um motorista bêbado e a menina morreu instantaneamente. Três semanas depois, chegava ao mundo Stephan, o único filho biológico do casal. Ainda sofrendo com o luto, Jim e Marceline resolvem adotar a irmã de Stephanie, uma menina de seis anos que ainda estava em um orfanato na Coreia do Sul. Ela passa a se chamar Suzanne. Em 1961, o menino afro-americano James Warren Jones Jr fora adotado. A família arco-íris estava completa. Segundo Stephen, filho de Jones, tudo que seu pai fazia era para ganhar alguma publicidade. Portanto, quando ele adotou o menino negro, ele fez um grande estardalhaço sobre isso, principalmente porque eles foram o primeiro casal caucasiano a adotar uma criança afro-americana em Indianápolis. Anos mais tarde, eles ainda adotariam na Califórnia Timothy Glenn Tupper Jones. O menino era filho de um casal de membros da igreja. 

 A dinâmica da família Jones sempre foi complexa. Agnes, a primeira filha do casal, foi deixada para trás quando Jim decidiu ir para o Brasil. Ela teve vários relacionamentos e, por causa de sua rebeldia, abandonou e retornou para a igreja várias vezes. Por causa disso, os Jones a retiraram de seu testamento. Suzanne, a filha coreana, também foi excluída da herança pois, em 1973, abandonou a igreja do pai e denunciou todas as coisas erradas que estavam acontecendo dentro da congregação. Quando a família finalmente embarcou para a Guiana, somente os filhos Agnes, Stephan, Lew, James e Timothy foram para Jonestown.

 
 
Em 1961, Jones tornou-se um ativista dos direitos civis, chegando a assumir a Secretaria de Direitos Humanos da cidade de Indianápolis. Era a gênese do que ele mais desejava: poder. Apesar de todos os seus problemas evidentes de caráter, Jim parecia ser um aliado da comunidade negra dos EUA. Algo que destoava totalmente de sua criação, visto que seu pai era um membro da Klu Klux Klan. Como secretário, Jones visitava estabelecimentos comerciais e confrontava os donos que davam um tratamento diferenciado para clientes negros. Ele tentava negociar com os proprietários e, caso eles aceitassem mudar seu comportamento, Jim retornava para o local trazendo vários novos clientes, os quais eram membros de sua igreja. Até mesmo quando foi internado para tratar úlceras, Jones chamou a atenção dos administradores do hospital e conseguiu que pacientes negros fossem levados para leitos melhores.

Em 1961, Jones mantinha uma igreja em Indianápolis que não segregava a comunidade negra e haviam muitos movimentos racistas que não concordavam com isso. A cidade era um lugar pouco progressista e Jim estava cada dia mais paranoico. Ele começou a criar um conselho, onde pessoas eram trazidas caso não estivessem seguindo as normas do socialismo pregadas por ele. Além disso, as pessoas tinham que se dedicar quase exclusivamente para a igreja, participando de vários eventos. Assim, o número de membros começou a diminuir significativamente. Ele também passou a receber ameaças, justamente por estar oferecendo um lugar onde negros e brancos pudessem conviver sem as regras de segregação que existiam no estado de Indiana. Em uma noite, Jones afirmou ter sofrido uma tentativa de assassinato em sua casa (fato que foi desmentido por seu filho Stephan anos mais tarde). Depois desse suposto fato, o delírio do reverendo só aumentou. Ele começou a profetizar que Chicago seria destruída por uma explosão nuclear e que o estado de Indiana seria atingido pela radiação. Ele deixa a congregação nas mãos de alguns pastores e se muda com a família para o Havaí. Em 1962, a revista Esquire publica um artigo que mostrava as cidades mais seguras para se viver caso uma catástrofe nuclear ocorresse. O município brasileiro de Belo Horizonte estava no mapa. Jones não pensou duas vezes. Eles decidiram vir para o Brasil. Antes de se mudar para o Havaí, Jones já havia dado uma passada pela Guiana, um país que acabara de deixar de ser uma colônia britânica e que decidira seguir um regime comunista na América do Sul. Ele chegou a aparecer em uma matéria de um jornal de Georgetown. Jones, inclusive, tinha ido para Cuba nesse intervalo de tempo e se encontrou com Fidel Castro.

Jim Jones no Brasil

Jones chegou ao Brasil pelo estado de São Paulo. Ele rumou para Belo Horizonte e passou a viver no bairro de Santo Antônio. Ele queria construir um templo no Brasil, apesar da barreira linguística. Mesmo com a ajuda de um missionário estadunidense que falava português, não houveram grandes avanços. Segundo artigo da BBC sobre o assunto, vizinhos costumam vê-lo deixando sua casa às seis da manhã com uma mala de couro. O fato causava estranheza. Jones também mudava de assunto quanto era questionado sobre o que teria motivado a sua mudança para o país. Para aumentar a desconfiança dos vizinhos, os quais acreditavam que Jones era um agente secreto americano, um carro do consulado dos EUA começou a ser visto diariamente na região. Eles sempre traziam mantimentos. Um policial teria começado a investigar essa movimentação, mas teria sido supostamente assassinado.

A família se muda para o Rio de Janeiro depois de dez meses na capital mineira. Em solo carioca, Jones passa a dar aulas de inglês. Na capital fluminense, eles se estabelecem no bairro do Flamengo, uma área considerada nobre. Isso não fazia muito sentido, pois Jones jamais conseguiria ter dinheiro suficiente para bancar um apartamento de alto-padrão na cidade com a função que estava exercendo. Além disso, a sua igreja passava por dificuldades financeiras. Segundo o livro Raven: The Untold Story of the Rev. Jim Jones and His People, para complementar sua renda, Jones começou a ter casos extraconjugais com mulheres ricas, as quais pagavam para ter relações sexuais com ele. Como não conseguia colocar seus projetos religiosos em prática e estava assustado com a violência política brasileira, ele retorna para Indiana em dezembro de 1963.

Califórnia 
 
 

Jones chega em Indiana e a frequência de membros da igreja começa a cair. Para ganhar novos fiéis, ele começa a viajar pelas cidades com seu número de cura e leitura de mentes. Seu discurso bíblico muda completamente. Ele começa a vender um ideal comunista. Segundo ele, suas experiências nos morros do Rio de Janeiro fizeram que ele finalmente se tornasse um socialista. Ele passa a atacar a falta de direitos iguais nos EUA. Também passa a contestar o cristianismo que, segundo ele, escravizava as pessoas. Então, ele basicamente se torna o Deus que deve ser reverenciado em sua igreja e cria uma nova teologia: o evangelho do amor comunista. Nessa altura do campeonato, Jim passa a falar muito sobre reencarnação, algo que aprendeu com sua mãe. Ele passa a afirmar que era uma figura importante do passado. Ele realmente entra nessa megalomania e convence muita gente que é uma espécie de criatura divina. E aí que ele passa a se tornar uma pessoa totalmente sem limites.

Ainda influenciado pelo artigo da Esquire sobre os lugares mais seguros do globo para sobreviver em uma catástrofe nuclear, Jones cogita levar a igreja para Eureka, considerada a cidade mais segura dos EUA. Mas o destino final de sua seita seriam as cidades de Ukiah e Redwood Valley, localizadas no condado de Mendocino. A Califórnia parecia ser um local muito mais progressista do que o resto dos EUA naquele momento. O grupo que seguiu Jones para a costa oeste poderia ser dividido em três partes:

- pessoas que acreditavam mesmo que poderiam construir uma nova sociedade através da igreja;

- fiéis que acreditavam nas profecias apocalípticas de Jones sobre a destruição do estado de Indiana;

- pessoas que queriam escapar da pobreza, visto que a maioria dos membros da igreja de Jones eram pessoas muito humildes.

Como precisavam de dinheiro para viver esse sonho socialista californiano, os membros foram instruídos a arrumar empregos. Todo o dinheiro que recebiam era destinado para a igreja. Nessa época, Jones passou a trabalhar como professor de adultos e adolescentes. A maioria tinha problemas com drogas e eles eram uma presa fácil para o reverendo. Os alunos de Jones começam a aparecer na igreja e muitos tornaram-se membros. Nesse momento, a igreja tinha um rancho, um asilo para idosos, e casas para pessoas que haviam saído de instituições mentais. Essa estrutura só foi adquirida, pois muitos membros doaram tudo o que tinham para a igreja voluntariamente. Uma família em questão chegara a vender 19 propriedades para doar o dinheiro para Jones. Além disso, para manter todo esse sistema, os membros precisavam trabalhar nas horas vagas dentro do culto. Alguns fiéis relatavam que, para conseguir dar conta de tanto trabalho, dormiam apenas duas horas por noite. Haviam membros que passavam até uma semana sem conseguir descansar. Era um regime pesado. Além disso, Jones explorava os cultistas mais velhos de outras maneiras. Ele passou a sugerir que os idosos também doassem tudo o que tinham para a igreja. Muitos concordavam em vender suas casas e davam todo o dinheiro para Jones. Inclusive o que tinham no banco. Como a igreja possuía casas de repouso na Califórnia, o reverendo prometia que, dali em diante, a Peoples Temple cuidaria deles. E isso aumentava a falsa sensação de que aquela congregação era uma grande família.

Como era o auge da Guerra Fria, Jim Jones começa a introduzir na pauta da igreja que, caso algo acontecesse, eles deveriam se mudar para a União Soviética. Em meio ao temor de um desastre nuclear, o culto não engrenava na Califórnia. A seita estava sendo mantida pelos fiéis que vieram com Jones de Indiana. Então, eles começam a visitar igrejas em San Francisco e Los Angeles, assim como os bairros periféricos dessas cidades. Além disso, eles passam a recrutar moradores de rua. Durante o verão, o reverendo promovia viagens por várias partes dos EUA, onde fazia os seus espetáculos de cura e com isso conseguia prospectar mais fiéis. Muita gente seguiu Jones para a Califórnia. Além disso, muitas pessoas de San Francisco, especialmente afro-americanos, começaram a visitar a congregação de Jones em Redwood Valley, mesmo com a considerável distância. Alguns ônibus do templo buscavam os fiéis nas cidades para os cultos. Muitos se mudam para Ukiah e Redwood Valley para ficarem mais perto da igreja. Assim poderiam contribuir com seu trabalho para edificar a seita.

Após muito esforço e muita lavagem cerebral, a congregação de Jones finalmente começa a crescer. Muita gente definia a Peoples Temple na época como uma “igreja negra com um reverendo branco”. O serviço da denominação ficou do jeito que Jones queria. Ele começava com membros testemunhando sobre curas, um coral adulto se apresentava, então o “artista” principal aparecia, o reverendo Jim Jones, o qual dava o seu sermão muito convincente. Além disso, ele podia ler mentes e curar doentes. Quanto mais lotada ficava a congregação, mais poder era angariado por Jones. E é aí que os seus traços mais perversos começam a aparecer. Jones começa a criar regras estapafúrdias que precisavam ser seguidas, como abstinência sexual (até mesmo entre pessoas casadas). Além disso, Jones costumava escolher quem deveria se casar dentro do Templo, o que resultou em uma série de divórcios posteriores. Era terminantemente proibido que os membros se casassem com pessoas de fora da igreja. As mulheres não podiam engravidar. Caso acontecesse, deveriam abortar as crianças. Se quisessem ter filhos, teriam que adotá-los.

As mulheres de Jones 
 
 

Em 1969, Carolyn Moore Layton torna-se membro da Peoples Temple. A jovem havia se formado com honras na UC Davis em Relações Exteriores e sempre se definiu como comunista. Ela conhece a igreja e fica encantada pelas ideias de Jones. Ela se muda com o marido Larry para o rancho de Redwood Valley. Chegando lá, depois de algum tempo de convivência com os outros membros, Carolyn torna-se um dos alvos de Jones. Ela passa a ter relações extraconjugais com o líder da seita, tornando-se sua amante.

Segundo Rebecca, irmã mais velha de Carolyn, a jovem costumava escrever cartas para os pais, contando o quanto a igreja era maravilhosa. Falava demasiadamente sobre Jim Jones. Isso gerou muita desconfiança por parte do pai da cultista, o qual era um pastor de outra denominação religiosa. A família Moore decide visita-la e recebem a notícia que Carolyn tornara-se a amante de Jim Jones. Segundo ela, o reverendo não tinha mais uma vida íntima com sua esposa, Marceline, que tinha problemas de saúde. Jones não podia se divorciar dela, pois não seria bem visto dentro da igreja. Marceline era conhecida como a “mãe” da organização. Larry, por outro lado, divorciou-se de Carolyn em Nevada, onde o processo era rápido. E o que é mais surpreendente: ele continuou na igreja, casando-se algum tempo depois com outra membro. Nessa época, Debbie, a irmã mais nova de Larry, também se junta ao culto.

Jones, como era uma pessoa extremamente perversa, apresentou Carolyn para o filho Stephan pouco antes de Marceline descobrir o affair. Segundo ele, Jim o colocou no carro da família em uma manhã e o levou até a casa de sua amante. Eles o deixaram sentado em um sofá, enquanto o pai tinha relações sexuais com Carolyn. Ele podia escutar tudo o que acontecia dentro do quarto. Nesse momento, mesmo doente e extremamente fragilizada por causa da traição, Marceline começa a desviar a sua atenção para os filhos. Em uma entrevista, Stephan afirmou que ela só deve ter continuado na igreja por causa da manipulação do marido. Divórcio não era uma opção, ainda mais quando você é casada com o próprio demônio. Mas existe outro fator muito importante nessa dinâmica. Segundo vários estudiosos que se dedicaram a estudar o culto. Marceline tinha muita influência dentro da igreja. Mesmo que seu casamento não existisse mais, ela era uma mulher adorada pelos membros da igreja. Era uma das figuras centrais da seita.

Para piorar a situação, Carolyn teve um filho com Jones. Ela não queria ter a criança por causa da regra severa de que membros não poderiam ter filhos biológicos. Como era um filho do líder, Jim Jones deu um jeitinho e Carolyn pôde manter a gravidez sem sofrer represálias. A criança, que se chamava Jim Jon "Kimo" Prokes, foi registrada por Mike Prokes, então assessor de imprensa da Peoples Temple. Carolyn também fora obrigada a casar com Mike. Ela aceitou e tornou-se intocável, assim como as outras amantes de Jones que tinham cargos de liderança na igreja. Em cartas que enviava para a família, ela escrevera que Jones era reencarnação de Lênin e ela era a de Inessa Armand, uma das amantes do líder soviético. Ela sonhava com o dia em que Marceline sairia de cena e ela finalmente poderia se casar com Jones. Mas é óbvio que isso não aconteceu. Além disso, Jones ia colecionando outras parceiras. O reverendo mantinha uma espécie de harém dentro das dependências da Peoples Temple. Ele se interessava por homens e mulheres. Jim costumava dizer para os membros que somente ele possuía a orientação sexual correta e que as outras pessoas eram bissexuais.

Como sexo significava poder dentro do culto, muitas mulheres se envolviam com Jones para poder alcançar cargos melhores, como Maria Katsaris, uma jovem que tornou-se amante de Jones quando tinha 18 anos. Ela é uma das pessoas que tiveram um papel fundamental para a criação do suicídio revolucionário de Jonestown. Homens também se relacionavam sexualmente com Jim Jones para ocupar funções de liderança. Stephan Jones, filho de Jim, afirmou em uma recente entrevista que o pai só tinha uma regra: ele só se envolvia com pessoas brancas. Isso deve explicar o porquê as pessoas que ocupavam a maioria dos cargos importantes da seita eram caucasianas.

Apesar de ser uma máquina sexual, Jones não permitia que os membros tivessem relações sexuais, pois o ato, segundo ele, era algo egoísta. Toda a energia devia ser concentrada no socialismo. Porém, coisas muito estranhas começaram a acontecer, principalmente quando a igreja se muda para San Francisco. Jones começa a agir como um predador. Em certa reunião, um dos membros da igreja simplesmente levantou-se e disse que quem quisesse fazer sexo com o pastor precisa fazer um enema. E várias mãos masculinas começaram a se levantar, indicando que queriam ter relações com Jones. Em outro momento, o reverendo obrigou uma mulher a ficar nua na frente de membros porque ela supostamente teria mandado cartas de amor para ele.

Mesmo com tudo o que acontecia de errado na igreja na época, Carolyn consegue recrutar sua irmã mais nova, Annie, uma jovem de 18 anos. Ela se junta ao culto e passa a estudar enfermagem. Ela se torna muito amiga de Debbie Layton, ex-cunhada de sua irmã. Debbie, inicialmente, não estava muito empolgada em fazer parte da igreja. A jovem queria voltar para a Inglaterra para cursar o último ano da “high school”, mas foi impedida por Jones. Ela foi mesmo assim, mas Jim continuava escrevendo cartas para ela, tentando convencê-la a retornar. Algum tempo mais tarde, ela retorna para a Califórnia com seu namorado, Philip Blakley. Os dois jovens se casam e ficam dentro da igreja.

Em uma viagem entre San Francisco e o rancho da congregação, Jim Jones senta ao lado de Debbie. Ele fedia a álcool. Ele começa a passar a mão pelo corpo da jovem. Ele então perguntou: sabe o que você poderia fazer por mim? Eu tenho um quarto no ônibus. Vá até lá e me espere. Como Jones era uma espécie de Deus, sua ordem deveria ser obedecida. Layton foi para o quarto e esperou por ele. Ele a abusou sexualmente naquele dia. Isso acontece um ano depois de outro evento marcante. Annie Moore, irmã da amante de Jones, chegou em uma reunião atrasada. Jim começa a falar no púlpito que uma mulher estava implorando para ter relações sexuais com ele e que deveria se levantar. Depois de um silêncio mortal, Annie levantou-se. Essa era uma prática comum de Jones. Quando uma mulher ou homem se recusavam a ter relações sexuais com ele pela primeira vez e/ou depois de terem se relacionado com ele, ele os humilhava publicamente, contando mentiras para toda a congregação. Então esses membros precisavam dizer publicamente que queriam ter um relacionamento íntimo com ele ou que Jim tinha um ótimo desempenho na cama. Nesse momento, ficou evidente que o religioso, que era amante de Carolyn, também obrigou Annie a se relacionar sexualmente com ele. Layton se afastou de Annie depois daquela circunstância, tendo se aproximado novamente da jovem quando as duas passaram pela mesma situação.

Debbie Layton ainda seria abusada por Jim Jones mais uma vez após o episódio do ônibus. Depois de um segundo encontro sexual, ele a promoveu para o cargo de secretária em San Francisco. Quando tentou novamente fazer sexo com ela, a jovem declinou. Foi o suficiente para que o reverendo mentisse no púlpito, obrigando-a a se humilhar na frente de toda a congregação. Depois dessa situação, Annie se aproximou de Layton e deu um beijo em sua testa como forma de apoio. Existem vários outros relatos de homens e mulheres que foram abordados por Jones. O reverendo costumava visitar o dormitório dos membros durante a noite. Além disso, práticas sexuais chegaram a acontecer em algumas reuniões. Em dado momento, Jones contou que dormiu com uma mulher para ganhar 5.000 dólares para a causa. Marceline presenciou esse relato e estava visivelmente triste. O sermão foi seguido por um testemunho da esposa de Jones. Ela disse nessa ocasião que, apesar de amar Jim, ela precisava dividi-lo com outras pessoas. Que era algo muito complicado. Nessa noite, Jones mostrou toda a sua perversidade. Logo após o discurso de Marceline, ele foi ao púlpito novamente e disse que todos aqueles que quisessem ter relações sexuais com ele pela causa deveriam se inscrever com sua secretária.

Nem quando os membros iam para a universidade encontravam algum tipo de paz. Eles eram orientados a estudar na Santa Rosa Community College, onde a igreja comprou apartamentos e os transformou em dormitórios. Todos os membros deveriam viver juntos. O controle era tão rigoroso que foi formado um grupo de integrantes do Templo, pessoas de confiança de Jones, os quais faziam entrevistas horripilantes com os universitários, insinuando coisas que não eram verdadeiras, obrigando-os a confirmar mentiras. Algumas punições eram determinadas em caso de baixo desempenho. Segundo Jeff Guinn, Jones queria ter o controle de tudo. Qualquer pessoa que manifestasse, por menor que fosse, algum tipo de iniciativa, era castigada. Uma universitária vegetariana foi obrigada a comer carne por Jim, pois sua atitude de consumir somente vegetais era vista como arrogância. Ela foi a primeira a desertar do grupo de estudantes. Muita gente se sentia esgotada por ter que cumprir tantas tarefas acadêmicas e as obrigações da igreja. Eles tinham que estudar de noite, participar das reuniões do Templo e, nos finais de semana, participar de treinamentos com armas. Então, oito estudantes fugiram da igreja e da universidade. Eles eram de famílias que estavam há muitos anos no culto. Os jovens deixaram uma carta, onde disseram que sabiam que o líder mantinha relações sexuais com vários membros da liderança. Inclusive citaram seus nomes. Denunciaram que membros brancos conseguiam crescer mais rapidamente dentro da igreja e questionaram a razão de tudo ter virado sobre sexo dentro do culto: “Nos últimos 6 anos, todos os funcionários se preocuparam com a castração de pessoas, chamando-as de homossexuais, sexo, sexo, sexo. E quanto ao socialismo?” Isso deixou Jones furioso. Ele acreditava que os pais dos jovens também sairiam da igreja.


Nos anos 70, Jim Jones começa a fazer uso de drogas, como anfetaminas e fenobarbital. Esse é um dos motivos para que passasse a usar óculos escuros. Ele não queria que as pessoas vissem seus olhos. Na Guiana, ele tinha muita sensibilidade à luz por causa do uso de entorpecentes. Ele justificativa que usava essas drogas para controlar um problema nos rins, mas na verdade, como Jones queriam ter o controle de tudo, ele acabava dormindo muito pouco. Ele usava anfetaminas para ficar acordado e remédios para dormir, quase sempre administrados por Annie Moore, que era a sua enfermeira particular. O fato é que o abuso de substâncias estava deixando-o cada vez mais paranoico. Tanto que ele vivia dizendo para os membros que a CIA iriam sequestrar crianças da igreja. Além disso, ele costumava afirmar que possuía uma bomba nuclear capaz de destruir San Francisco. Em 1973, Jones começara a enfrentar problemas por causa da sua busca insaciável por sexo. Ele foi preso em um banheiro público de um cinema por se masturbar na frente de um policial. Ele pagou uma fiança e, em um julgamento posterior, não precisou cumprir pena.

O Começo do Fim

É mais ou menos nessa época que começam as perseguições contra as pessoas que queriam sair da igreja. Elas eram caçadas por grupos enviados por Jones. Além disso, ele organizava listas, onde uma comissão apontava os problemas de cada membro. Aqueles que eram penalizados precisavam passar por lutas de boxe, onde o membro em questão não podia se defender, apenas era colocado numa espécie de ringue improvisado para apanhar. Segundo depoimentos dados no documentário feito pelo Hulu em 2018, era comum ver pessoas muito machucadas participando das reuniões após terem levado uma surra brutal. Eles precisavam se humilhar diante de Jones, afirmando que amavam o reverendo. Além das sessões de boxe, era comum que os membros apanhassem com tacos de baseball. No documentário de 2006, Jonestown the Life and Death of Peoples Temple, uma ex-membro conta que apanhou tanto em uma dessas lutas que, no outro dia quando foi trabalhar, foi confrontada pelos colegas de trabalho. Após explicar a situação, eles a ajudaram a sair da igreja. Depois disso, ela nunca mais teve contato com o marido e com o filho, os quais continuaram no culto. Isso era comum. Dentro da seita, você não podia confiar nem em seus familiares. Era impossível expressar o desejo de sair do culto sem sofrer duras represálias. Tanto que, em 1973, a filha de Jones, Suzanne sai da igreja ao se divorciar do marido. Ela passa a denunciar todos os abusos físicos e sexuais que aconteciam dentro da instituição. Stephan também passa a ter problemas com o genitor abusivo. O jovem queria morar sozinho e Jim foi terminantemente contra. Assim, o adolescente foi enviado para Jonestown. Segundo Jeff Guinn, o castigo não surtiu muito efeito. Stephan ficou feliz por estar tão distante do pai. Estar no meio da floresta era melhor do que conviver com os abusos de Jim Jones.

Desse ponto, muitas coisas bizarras continuaram acontecendo nas dependências da igreja. Mesmo colocando o grande número de crianças do culto em risco, Jones admite em seu quadro de membros um pedófilo com uma larga ficha criminal. Em dado momento, ele ataca um menino de dez anos. Jones manda um membro punir o abusador fisicamente ao invés de levá-lo para a polícia. Depois de ficar vários dias sem caminhar por causa dos golpes que recebeu, foi permitido que o molestador continuasse como membro. Tanto que ele foi uma das vítimas de Jonestown. Os números de violência continuavam a pleno vapor. Em certa ocasião, a membro Grace Stoen engravidou e o filho supostamente era de Jim Jones. Ela foi espancada por membros do Templo dos Povos. E o que chama atenção nessa história é que o marido de Grace era um dos homens que mais ajudavam na instituição e, mesmo assim, sua esposa teve que passar por isso. Ele era tão obediente que, quando Jones o obrigou a ter relações sexuais com mulheres do culto, ele simplesmente aceitou. Jones queria acabar com o casamento de Grace e Tim, pois eles tinham um vínculo afetivo muito grande. Por essa razão, quando Tim foi obrigado a se envolver com outras mulheres, Jones revelou para Grace a “infidelidade” do marido rapidamente. Os dois quase se divorciaram nessa ocasião. Mesmo tendo apanhado muito, Grace conseguiu manter a gravidez e, um mês após o nascimento do bebê, Tim assinou um documento garantindo a guarda da criança para Jim Jones. Assim, John Victor Stoen ficou aos cuidados do reverendo. Quando Grace abandona a igreja algum tempo mais tarde, ela chega a afirmar para o seu ex-marido que vai tomar atitudes legais para reaver a guarda da criança. O que Jim Jones fez? Levou a criança para a Guiana em 1976. Ele também enviaria Tim para a América do Sul algum tempo mais tarde, pois ele era um homem de confiança do reverendo. Tudo o que acontecia na igreja passava pelas mãos de Stoen e ele começou a perceber que a loucura do líder estava levando a instituição para um desfiladeiro. Por tanto, ele criou um plano para tentar tirar seu filho da Guiana, mas não obteve sucesso. Tim conseguiu escapar da Guiana e moveu com a ex-esposa um processo para reaver a criança. Por causa dessa ação legal contra a Peoples Temple, Jonestown passaria a ser investigada em 1977. Nessa época, Tim Stoen tentou se candidatar a um cargo político na Califórnia, mas Jones criou uma trama diabólica para retirá-lo da corrida eleitoral.


Jonestown 
 
Em outubro de 1973, a igreja decide começar a criar condições para ir para a Guiana, um país que havia ficado independente do Reino Unido e que compartilhava das mesmas ideias socialistas de Jones. Jim queria arrendar um pedaço grande de terra na região da floresta e o país sul-americano viu isso com bons olhos, pois a área escolhida pelo reverendo fica em Barima Waini, uma região na divisa com a Venezuela, rica em petróleo e outros minérios. Os venezuelanos sempre afirmaram que aquela parte do território guianense lhes pertencia e existia uma forte tensão no ar. Para evitar um conflito armado, os líderes da Guiana decidiram simplesmente colocar colonos estadunidenses nas cercanias da divisa territorial entre os dois países. A Venezuela não teria coragem de fazer nada contra alguém dos EUA sem criar um incidente internacional. Como a região pretendida por Jones só tinha uma pequena vila, o governo guianense achou que a chegada da igreja seria uma oportunidade de colonizar aquela área tão isolada. O lugar ficava tão longe de tudo que chegar em Jonestown era uma grande “aventura”. Se você tivesse dinheiro, poderia chegar até lá de avião, pois havia uma pista improvisada no meio da floresta, a qual era utilizada por membros do Exército da Guiana. Não haviam voos comerciais disponíveis para a região e Jim Jones só visitava a região com aviões fretados. Os membros da igreja faziam o trajeto infernal entre a capital de Guiana e Port Kaitama de barco. A viagem começava no Oceano Atlântico e terminava no rio Kaituma. Só o percurso pelas águas doces girava em torno de oito horas. Jonestown ficava a uma distância de cerca de nove quilômetros do porto de Port Kaituma. Ao todo, 241 quilômetros separavam Jonestown de Georgetown.
 
 
 









Port Kaituma era o destino perfeito para um facínora que desejava isolar seus membros. A única ligação da cidade com a civilização é o vilarejo de Matthews Ridge. Uma linha férrea de cerca de quarenta quilômetros separa essas duas comunidades. A princípio, Jonestown, que possuía 3,852 acres, seria uma espécie de colônia de férias. Jones teria oferecido dois milhões de dólares pelo pedaço de terra e ninguém sabe exatamente de onde ele retirou esse valor. Para firmar o negócio, ele entregou para a liderança da Guiana uma recomendação escrita pela primeira-dama dos EUA, Rosalynn Carter. Jones havia ajudado na campanha eleitoral de Jimmy Carter. É preciso compreender que, nesse momento, Jones tinha muita influência política nos EUA. Ou seja, ele tinha muito suporte e defensores. Era visto como um homem bom.
Depois de um longo período derrubando árvores (cerca de seis meses), enfrentando o calor infernal da floresta, animais peçonhentos, gatos selvagens, e doenças tropicais, as casas do complexo começam a ficar prontas. Em 1975, os membros que ficaram na Guiana começam a se mudar para Jonestown. Chegando lá, eram recebidos por um comitê de boas-vindas, o qual mais parecia uma sucursal da inquisição. Os bens dos membros eram confiscados e eles recebiam apenas quatro camisetas, quatro pares de meias, uma escova de dentes, quatro pares de roupas íntimas e um sabonete. Aquilo que era apreendido era deixado em um local fechado e só poderia ser utilizado por Jones. 
 










Em julho de 1977, uma editora de uma revista liga para Jones e lê para ele um artigo que chegaria às bancas no dia 1º de agosto, recheado de acusações de ex-membros do Templo. O que ele fez? Deixou dez pessoas para tentar remediar a situação nos EUA e partiu para a Guiana, obrigando vários membros a segui-lo. Logo após a publicação da matéria, vários políticos, como Harvey Milk, fizeram um ato público em San Francisco em defesa de Jim Jones. Mesmo com tantas provas coletadas pelos jornalistas, Jones foi apresentado nos protestos como um homem injustiçado. Mas com a publicação de mais dois artigos pesadíssimos, a igreja começou a ser abandonada por líderes políticos. As contribuições financeiras também começaram a cair.
Jonestown, por muito tempo, era um local idílico. Poucas famílias moravam no local, havia comida suficiente para essa quantidade determinada de pessoas e a aura era de paz. Segundo Stephan Jones, tudo mudou quando seu pai passou a viver na Guiana. Da noite para o dia, o campo recebeu muitos membros. Não havia alimentação disponível para essa população inflada. O campo passou a ser habitado por mais de mil pessoas. Para se ter uma ideia, para comportar esse número de novos moradores, muitas casas ficaram superlotadas. A casa que abrigava os mais velhos ficou entulhada de gente. Mais de 60 idosos precisavam viver em dependências muito pequenas.
Nos EUA, a pressão contra a igreja só aumentava. Tim e Grace Stoen ganharam a guarda de seu filho mantido na Guiana. Um oficial da Suprema Corte chegou a viajar para Jonestown com uma ordem de prisão contra Jones, mas não conseguiram entrar na comunidade. A partir desse momento, o reverendo, que estava afundado nas drogas, se torna ainda mais paranoico. Ele sabia que, caso entregasse o filho de Grace, um precedente gigantesco seria aberto, e muita gente começaria a pedir a guarda de seus filhos.
Depois desse dia, Jones começou a criar vários falsos ataques para dar a sensação que as pessoas nunca estavam seguras. Em um deles, o reverendo mandou seu filho Jim para o meio da floresta e pediu que ele disparasse com uma arma contra Jonestown. Esses eventos bizarros eram chamados de noites brancas. Ele também testava a lealdade dos membros nessas reuniões. Ele entregava para eles copos contendo um líquido vermelho. Depois que os membros consumiam, ele dizia que aquilo era veneno. E vários grupos passaram por esse teste. Jones foi introduzindo o tema aos poucos. Muita gente acredita que o ato foi ocorrido de última hora, nutrido pelo desespero. Mas Jones e a liderança do Templo do Povo já vinham arquitetando esse plano há muito tempo. Desde 1975, quando resolvera construir essa comunidade rural na América do Sul, Jones estava estocando Cloreto de Potássio nas dependências de Jonestown. Ele tirou uma licença de joalheiro para conseguir obter o produto, o qual era usado para polir ouro. Por anos, eles receberam o produto mensalmente. É fato que muitas pessoas haviam seguido Jones para a Guiana com a promessa de uma terra prometida, onde poderiam viver da maneira que quisessem. Mas, ao descer no aeroporto de Georgetown, elas estavam marcadas para morrer.

Os últimos momentos de Jonestown foram insuportáveis. Enquanto estava acordado, Jones discursava nos autofalantes do complexo por horas. Quando dormia, gravações de discursos antigos eram reprisados para que todos pudessem ouvir. Além disso, os membros precisavam lidar com a falta de comida e de moradia. O projeto inicial seria levar os membros para a Guiana com parcimônia. Como Jones resolvera transportá-los muito rapidamente, simplesmente não existia estrutura para mantê-los ali. A comida, em alguns dias, consistia apenas em arroz no café, no almoço e na janta. No domingo, eles só recebiam um ovo e um cookie. Os membros só recebiam vegetais e carne quando pessoas de fora apareciam e Jones pretendia dar uma impressão de que tudo ali dentro estava bem.

Também não havia uma estrutura para armazenar alimentos adequadamente. As pessoas começaram a ficar doentes. Em fevereiro de 1978, houve um surto de febre e diarreia entre os cultistas. Eles também sofriam com a malária, uma doença que é bastante comum em regiões da floresta amazônica. Muitas pessoas tinham escolhido seguir Jones para escapar da pobreza em Indiana e na Califórnia. Mas, mesmo vivendo numa situação difícil, eles tinham alimento em suas mesas. E agora estavam numa situação muito pior. A situação era tão dramática que Mike Prokes, assessor de comunicação da igreja, reportou para a Embaixada da União Soviética que o projeto agrícola não tinha dado certo, que a terra não era fértil e que eles não sabiam exatamente o que poderiam plantar ou não.

Mesmo com a infertilidade do solo, os membros se dedicavam muito. Ou melhor, eram obrigados a isso. Eles trabalhavam de segunda a sexta, das 6:00 da manhã até o entardecer. No sábado, a jornada começava às 07:00 da manhã e ia até às duas da tarde. Todos estavam visivelmente cansados. Depois de longas horas de trabalho, precisavam comparecer a aulas sobre o comunismo e estudavam russo. E havia também outro aspecto bem interessante. Os membros foram levados para Jonestown acreditando que teriam um tratamento igualitário, mas a liderança da igreja trabalhava menos e recebia a comida primeiro. Esse grupo era majoritariamente branco.

Também havia um abuso mental muito forte. As pessoas não podiam confiar em ninguém. Jones costumava recrutar alguns membros para que eles fingissem que tinham o desejo de escapar de Jonestown. Eles conversavam com os demais e algumas pessoas, obviamente, caíram na armadilha. E um dos castigos favoritos de Jones era levar o membro que precisava ser penalizado até o meio da selva e o cultista era confinado em um buraco. E haviam castigos ainda mais bizarros. Se uma pessoa cometesse alguma infração, Jones usava fobias no castigo. Membros que tinham medo, por exemplo, de aranha, caso fizessem algo que Jones não gostasse, seriam castigados usando esse animal. Essa era premissa mais básica do líder da seita. Desde a infância, ele usava o medo para torturar as pessoas. Em sua concepção, as pessoas só conseguiam respeitá-lo caso temessem ele.

Os abusos sexuais também não cessaram. Larry Schacht, o médico de Jonestown, não era somente responsável pelo coquetel diário de drogas de Jones. Ele tinha participação ativa nas torturas. Certa vez, Jim Jones queria ter relações sexuais com uma membro. Ela declinou da oferta. O médico a levou para uma cabine e passou a drogá-la diariamente. A garota tornou-se escrava sexual do líder. E esse não era um caso isolado. Esse mesmo médico elaboraria a poção exata para ser consumida pelos membros na última noite branca.

Em 1977, o primeiro-ministro da Guiana recebeu uma denúncia: armas estavam sendo contrabandeadas para Jonestown. Elas iam para as mãos desse grupo armado. O governante do país sul-americano fez vista grossa. Inclusive, na fatídica visita do congressista Leo Ryan a Jonestown, policiais do país, atraídos pela comitiva, disseram que haviam recebido essa informação, mas não podiam fazer nada pois, segundo as regras estipuladas para o arrendamento de terras, Jim Jones teria o controle total do que acontecia dentro da fazenda. Os oficiais da lei do país sul-americano estavam com as mãos amarradas.

Aproveitando-se desse isolamento, Jones criou uma pequena filial do inferno tropical. As pessoas não tinham para onde fugir e ele começou a mostrar todas as suas facetas perversas na máxima potência. Com a ajuda da brigada armada, a terra prometida era uma espécie de campo de concentração. Até mesmo quando estavam trabalhando no campo, haviam guardas armados monitorando o que os membros estavam fazendo. Aqueles que tentavam fugir eram quase sempre capturados e levados de volta. Quem tentasse escapar era obrigado a usar um grilão nas pernas e tinham que trabalhar na lavoura por quase 18 horas.

A pequena comunicação com o mundo exterior era feita através de cartas, as quais eram censuradas. Para piorar a situação, Jim Jones era visto muitas vezes desorientado e falando de forma incompreensível. Eram os efeitos das drogas. Antes que a situação ficasse ainda mais extrema, Jones cogitou fugir com seus membros para a União Soviética. Isso era muito discutido pela liderança. Mas por fim, Jones decidiu que o destino do grupo era o suicídio revolucionário. Ele foi amparado por Maria Katzaris, Carolyn Layton, Annie Moore e Marceline Jones. Como aponta seu filho Stephan, Jones estava paranoico e fazendo tanto uso de entorpecentes que, apesar de ter a decisão final, ele não teria conseguido colocar o plano em prática sozinho.

O fim

Debbie Layton estava decepcionada com a situação. Tinha passado do cargo de secretária para o trabalho braçal. Ela mal comia, pois a comida tinha um gosto estranho por causa das substâncias usadas no cultivo para evitar que fossem contaminadas com as pragas da floresta. Sua mãe, Lisa, que tinha câncer, só recebia dois ovos por dia. E quase sempre, costumava entregar um para a filha. Por causa da falta de alimentação, Debbie ficou muito doente. Foi levada alucinando para o departamento de saúde. Depois disso, começou a trabalhar na comunicação via rádio entre os EUA e Jonestown. Depois de permitir que um homem falasse com sua família em Jonestown, Jim Jones ficou furioso e afirmou que Debbie nunca mais voltaria para os EUA. Na mesma semana, Debbie foi chamada novamente e Carolyn Layton comunicou que ela iria até Georgetown, capital da Guiana, para acompanhar um grupo de adolescentes que iriam se apresentar em um festival de dança. Essa seria a oportunidade de Layton de escapar de vez. Mas ela fez exatamente o que Jones queria. Por essa razão, ela ficou em Georgetown em definitivo. Ela foi montando um plano para conseguir escapar. Depois de um tempo, Debbie conseguiu finalmente, através de sua irmã, passagens de avião, mas seu passaporte estava retido em Jonestown. Por um golpe de sorte, ela consegue escapar do qg e vai até o consulado dos EUA. Layton havia descoberto que poderia conseguir um passaporte rapidamente de uma forma muito cruel. Um menino recebeu uma punição e foi espancado com um taco de baseball. Ele ficou tão mal que precisou ser transferido para Caracas de avião para receber atendimento médico. Os membros do Templo afirmaram que ele havia sofrido um “acidente” e o consulado concedeu para o jovem um passaporte em questão de minutos. Antes de ir embora, ela revelou para o cônsul tudo o que estava acontecendo dentro da comunidade e que algo muito grave seria executado em breve: Jim Jones queria que os membros cometessem suicídio. O consulado não fez absolutamente nada sobre o assunto.

Nos EUA, as famílias dos cultistas começam a procurar Leo Ryan, um congressista da Califórnia, após a série de artigos que saíram na imprensa. Mas o que pesou mesmo para uma possível investigação acerca da igreja foi um suposto assassinato que teria sido praticado pelo culto e que envolvia a família de um amigo pessoal de Ryan. Além disso, haviam várias crianças mantidas contra a vontade de seus pais em Jonestown. Debbie Layton também veio a público para falar dos horrores que havia testemunhado na fazenda. Depois de uma série de reuniões, ficou definido que Ryan iria para a Guiana e ele enviou um comunicado para Jones. O líder religioso ficou enlouquecido.

Leo Ryan foi acompanhado de quatro oficiais: Neville Annibourne, (Ministro do Gabinete de Informação da Guiana), James Schollart (Comitê de Assuntos Exteriores dos EUA), Jackie Speier (equipe do congressista), e Richard Dwyer (vice-chefe da missão dos EUA em Georgetown). Um grupo de 9 jornalistas também os acompanharia. Eles eram membros da TV NBC, dos jornais Washington Post, San Francisco Herald-Examiner e San Francisco Chronicle. Além disso, também iriam para a América do Sul quatorze familiares das vítimas de Jones. Alguns deles eram ex-membros do culto. Apenas 4 pessoas do grupo de familiares iriam de fato para Jonestown. A maioria ficou em Georgetown.

No dia 13 de novembro de 1978, Jones conclamou uma noite branca. Os moradores de Jonestown, através de uma votação, disseram que não queriam que o congressista entrasse na comunidade. No dia 14 de novembro, a comitiva finalmente chega a Guiana e os membros do Templo começaram a fazer um pequeno inferno contra a delegação. Cancelaram a hospedagem dos membros, causaram alvoroço na porta da embaixada, entre outros ataques. No dia 16 de novembro, o time de basquete de Jonestown estava em Georgetown disputando um campeonato. Jones faz uma chamada de rádio e pede para falar com s seu filho Stephan. O jovem fazia parte da equipe da igreja. Jones ordenou que ele voltasse para a fazenda. Porém, o adolescente disse que não retornaria, pois eles iriam jogar contra a seleção de Guiana e estavam muito animados. Isso deixou Jim Jones muito descontente.

No dia 17 de novembro, Jones finalmente aceitou a visita do congressista. Eles voaram até Port Kaituma e pousaram na pista de aviões improvisada no meio da floresta. Leo Ryan foi recepcionado com uma grande festa. Os membros pareciam extremamente felizes. Ryan, inclusive, pegou o microfone e disse que estava surpreso, pois as pessoas tinham dito coisas ruins sobre Jonestown, mas todos pareciam estar muito contentes. Ainda naquela noite, um bilhete chegou até as mãos do político estadunidense. Era um pedido de ajuda para sair do complexo de Jones.

Como o reverendo só permitiu o pernoite dos políticos em Jonestown, o grupo da mídia voltou para Port Kaituma e se instalaram em uma boate. Enquanto conversavam com pessoas do local, um policial se aproximou e contou que voos mistérios vinham acontecendo com regularidade para levar para o médico pessoas que haviam se “acidentado” dentro do complexo de Jones. Revelou também a existência de um buraco na floresta, o qual tinha sido descoberto por pessoas da pequena vila. Membros do culto haviam dito que aquilo seria um depósito para feijão. Mas na verdade, ele acreditava que aquilo era uma espécie de cela. Os habitantes do pequeno vilarejo falavam muito sobre Jonestown. Eles já sabiam de antemão muita coisa que acontecia dentro da prisão tropical do Templo do Povo.

Na manhã do dia 18 de novembro, um grupo de pessoas fugiu pela selva. Eles conseguiram pegar carona no trem que atravessava a região. Muita gente tinha tentado escapar dessa maneira, mas normalmente eram alcançados pelos membros do culto. Além disso, outros cultistas pediram ao congressista para irem junto com ele para os EUA. O grupo chegou a se organizar para sair, mas Jones não queria perder poder. Ele não iria permitir que os membros tivessem uma chance de sair da Guiana. Nem que fosse preciso usar armas contra eles. Naquela tarde, uma tempestade gigantesca caiu sobre Jonestown. Dessa forma, a comitiva precisou esperar por mais duas horas dentro da fazenda e o clima era terrível. Leo Ryan foi rendido com uma faca antes de sair do complexo, mas o agressor foi capturado por alguns membros da seita. Ele não se machucou.

Quando eles finalmente conseguiram sair da fazenda, onze quilômetros separavam o grupo da liberdade. De última hora, Jim Jones ordenou que Larry Layton acompanhasse a comitiva, fingindo estar abandonando Jonestown. Os membros que realmente queriam ir embora viram aquilo com desconfiança, pois Layton era um membro muito fiel ao reverendo. E estavam certos. Eles sabiam do que Jim Jones era capaz. O grupo chega até a pista de pouso perto das 16:30 da tarde, mas os aviões não haviam chegado ainda. Eles só pousariam em Port Kaituma às cinco da tarde. Quando o embarque começou, Larry Layton começa a atirar nos passageiros. Depois disso, um trator com uma carreta chega na pista. Dentro do compartimento estavam homens armados que faziam a segurança de Jones. Eles começaram a atirar nas pessoas. Em algumas delas, à queima-roupa. Morreram na ação Leo Ryan, Bob Brown (cinegrafista da NBC), os jornalistas Greg Robinson e Don Harris, além da membro do culto Patricia Parks. Jackie Speier, Anthony Katsaris, Steve Sung, Tom Reiterman, Richard Dwyer e mais quarto integrantes da comitiva foram feridos. Os pilotos conseguiram levantar voo com um dos aviões e deixaram os feridos para trás. Segundo o autor Will Savive, quatro militares da Guiana estavam na pista durante o ataque e não fizeram absolutamente nada. Segundo eles, por serem treinados, ficaram com receio de machucar mais gente. Além disso, eram “americanos atirando contra americanos”. Depois que a Brigada Vermelha foi embora e um dos aviões decolou, eles finalmente auxiliaram os feridos que ficaram para trás.

Assim que foi informado sobre a morte do congressista, Jones sabia que o seu campo de concentração havia chegado ao fim. Eles provavelmente seriam invadidos. Então, o plano do suicídio revolucionário começou a ser colocado em prática. Marceline pediu aos membros que se dirigissem para as suas casas. Enquanto isso, membros da liderança preparavam em uma grande banheira uma mistura que levava suco barato em pó, cianeto de potássio, diazepam, hidrato de cloral, clorpromazina, prometazina e difenidramina. Enquanto isso, Jim Jones mandou uma mensagem de rádio cifrada para Georgetown, a qual ordenava o suicídio de todos os membros, incluindo os que viviam nos EUA. Stephan Jones ouviu a mensagem e ficou desesperado. Ele tentou alugar uma avião para chegar em Jonestown e evitar o pior, mas não obteve sucesso. Ele ficou no rádio diretamente com os EUA, tentando dissuadir que os membros se matassem por lá. Em Georgetown, porém, algumas pessoas seguiram aquilo que Jones havia mandado. Sharon Amos, que geria o escritório do Templo dos Povos, levou seus três filhos para o banheiro da residência e, usando uma faca de cozinha, matou seus três filhos: Liane (21), Christa (11) e Martin (8). Depois disso, ela cometera suicídio com ajuda de um membro. Sharon não pensou duas vezes para praticar tal ato horrendo.

Em Jonestown, filas começaram a ser organizadas enquanto Jones discursava. Na chamada fita da morte, dá para ouvir claramente o choro desesperado de muitas crianças. É devastador. Além disso, as pessoas eram orientadas a primeiro dar o suco para seus filhos ou injetar a substância neles. Antes dos adultos consumirem o veneno, muitos deles tinham os filhos mortos nos braços. Pela observação dos médicos da Guiana que chegaram primeiro ao campo, muitos adultos também tinham ferimentos com agulhas. Foram encontradas, inclusive, muitas agulhas hipodérmicas dobradas, indicando o uso da força na hora da aplicação. Duas pessoas foram encontradas com ferimentos de balas: Jim Jones e a sua enfermeira, Annie Moore. Alguns sobreviventes garantem que haviam guardas armados em torno do pavilhão para evitar que houvesse alguma fuga. Quando a maioria dos adultos já tinha consumido o líquido, os membros da Brigada Vermelha começaram a beber o mesmo.

O dia seguinte
 
Quando as tropas do Exército de Guiana chegaram em Port Kaitama no dia seguinte, havia morte por toda a parte. Eles encontraram pessoas amontoadas, famílias inteiras, deitadas no chão, formando fileiras. Isso pode ser explicado porque, segundo testemunhas, tão logo a pessoa recebia o suco, ela era levada para fora do pavilhão. As crianças morreram rápido. Os adultos, porém, demoraram mais tempo. Ao contrário do que Jones afirmou, a combinação de veneno causava uma morte dolorosa, pois o cloreto de potássio causa asfixia, convulsões, alucinações e falência dos órgãos.

Em um primeiro momento, os oficiais da Guiana contaram apenas 400 corpos. Quase 30 pessoas que haviam fugido pela floresta retornaram para o complexo no dia 22 de novembro, ajudando na identificação dos membros. Na contagem, até esse momento, faltavam 500 pessoas. E isso foi manchete nos EUA. Haviam quase 1200 pessoas morando em Jonestown naquele período. Imagens do complexo circulavam a mídia, principalmente as tomadas aéreas que mostravam pilhas de corpos. Membros do Exército também foram para o qg da igreja em Georgetown e encontraram 46 pessoas vivas, incluindo três filhos de Jones: Stephan, James e Timothy

Os corpos começaram a ser enviados para os EUA no dia 23. No dia 25, o número de corpos encontrados havia aumentado para 780. No dia seguinte, o número escalonou para 900. A causa da morte, porém, está baseada mais nos relatos dos sobreviventes do que na análise das vítimas. Como os governantes resolveram embalsamar os corpos antes das autópsias por causa das condições que eles se encontravam, isso dificultou para que fosse determinada a causa da morte de muitos cultistas. No dia 27 de novembro, o número de mortes chegou a 909, alcançando o número final de 918 com a inclusão das vítimas mortas na pista de pouso. Os militares cumpriram 8 dias de trabalho na Guiana para recuperar os corpos e muitos deles saíram de lá completamente traumatizados.

Além das pessoas retidas do escritório do Templo em Georgetown, três membros do alto-escalão sobreviveram nas cercanias de Jonestown porque Jones os mandou até a embaixada da URSS em Georgetown. Percebendo que algo ruim aconteceria, eles retornaram. Tim Carter, um dos sobreviventes, afirmou que quando chegou a Jonestown pode testemunhar a morte de seu filho e de sua esposa. Ele ficou tão desesperado que foi levado para fora do complexo por seu irmão, o qual também tinha sido enviado para a capital da Guiana. Mike Prokes, o assessor de imprensa da peoples Temple, completava o trio. O mesmo cometeria suicídio em 1979, alguns meses depois da tragédia. Quando a polícia interrogou os irmãos Carter e Prokes, descobriram que Jim Jones havia ordenado que eles entregassem na embaixada da União Soviética dois passaportes e números de contas para transferir para o Partido Comunista daquele país. Uma delas tinha uma quantia de 7 milhões de dólares.

Cerca de 87 pessoas escaparam do suicídio:

– Onze pessoas que escaparam para a vila de Matthews Ridge;

– Três homens que decidiram que não morreriam naquele dia e fugiram para a selva;

– Herbert Newell e Clifford Gieg tinham ido para a capital para buscar suprimentos;

– Helen Swinney, Charlie Touchette, Richard Janaro, e Phil Blakey estavam no oceano em outro barco do Templo.

– Joyce Parks tinha ido para a Venezuela conseguir remédios;

– O time de basquete do Templo e membros da organização do qg de Georgetown;

– E por fim, Claire Janaro, que acabara de chegar na Guiana para visitar seus filhos e descobriu pelo rádio do carro do taxista sobre o massacre.

Conclusão

Na história oficial, Annie matou Jones com um tiro na têmpora e somente uma hora depois sobreviventes ouviram um outro tiro em Jonestown. Provavelmente Annie checou o complexo procurando por sobreviventes e então se matou. Mas há quem duvide disso. Existem muitas teorias da conspiração envolvendo Jonestown, principalmente porque os números de mortos foram aumentando com o passar dos dias. Houve muita divergência entre a contagem dos militares de Guiana e do exército dos EUA. Uma dessas teorias afirma que Jim Jones trabalhava para a CIA e Jonestown fazia parte do projeto MKULTRA, o programa da companhia para controle de mentes. O fato de Jim Jones receber visitas diárias do consulado dos EUA quando esteve no Brasil ajudam a aumentar esse burburinho. Nunca ninguém descobriu ao certo o que ele veio fazer por aqui na década de 60. Outro fato que poderia evidenciar uma possível participação dos EUA no crime: apenas sete corpos de vítimas de Jonestown passaram por autopsia. A maior parte deles eram membros da liderança da seita, além do próprio Jim Jones.

Leslie Mootoo, médico legista da Guiana que foi o primeiro a chegar em Jonestown, disse que examinou 187 corpos e cerca de 80% das vítimas tinham marcas de agulhas na parte superior do ombro, o que indicaria que as injeções foram administradas pelas costas. Outros foram baleados ou estrangulados. Isso nunca seria confirmado porque os EUA simplesmente decidiriam que necropsias individuais de todas as vítimas não aconteceriam, o que é algo que traz descontentamento para as famílias dos cultistas que morreram em Jonestown. E existe uma contradição quanto a morte de Jim Jones e Annie Moore. Algumas pessoas especulam que eles fugiriam juntos, mas foram mortos por algum sobrevivente. Apesar de Annie Moore estar com uma arma na mão quando foi encontrada pelos médicos da Guiana, ela teria sido atingida por um projétil que se expande no contato com a vítima. Seu rosto foi totalmente destruído. Annie teria recebido o tiro ao se virar de costas para falar com alguém, possivelmente com quem fez o disparo. Esse mesmo tipo de armamento foi usado contra o congressista Leo Ryan. O rifle foi encontrado em Jonestown pelo exército dos EUA.

Annie passou por autopsia nos EUA e essa versão não foi confirmada. Na estimativa do médico legista da Guiana, cerca de 700 pessoas foram assassinadas. Não morreram vítimas de ingestão de suco envenenado. Outros especialistas da Guiana que ajudaram no reconhecimento da cena do crime indicaram que muitos cultistas tomaram a injeção sentados, pois possuíam marcas frescas de injeções no braço. Aí entra essa teoria de possível operação da CIA. A agência estaria monitorando Jones e chegou em Jonestown, obrigando que os membros tomassem injeções com veneno. Por essa razão, o governo estadunidense não quis fazer todas as autopsias. Jones teria ido muito longe ao matar o congressista e o programa que ele tinha com a agência estadunidense precisava ser eliminado. Outras teorias dão conta de um envolvimento de Jones com células comunistas e por essa razão foi assassinado pelos EUA.

O fato é que muita gente procura explicações mirabolantes para o que aconteceu em Jonestown, mas a teoria mais plausível para essa história é a seguinte. Pessoas foram seduzidas por um pastor eloquente que, com o passar dos anos, passou a ter muito poder. Não foi algo que aconteceu da noite para o dia. Jim Jones fez um trabalho de lavagem cerebral continuo por muitos anos, amparado por pessoas tão perversas quanto ele. Quando ele percebeu que todos os seus crimes seriam descobertos, organizou um suicídio coletivo. É isso que os facínoras fazem. Mesmo na iminência de ser preso, ele não queria perder o poder que possuía sobre aquelas pessoas. E sim, muita gente relutou em tomar o veneno mas, rodeados por homens armados, não tiveram escolha. Na chamada fita da morte, muitos membros gritavam e eram repreendidas por integrantes da liderança. E tenho certeza que o médico da Guiana está certo. Quem declinou do suco, foi morto com o uso de seringas ou de armas de fogo. Alguns sobreviventes na selva ouviram vários tiros no momento em que a noite branca estava acontecendo, indicando que muita gente foi assassinada. E quem pode explicar melhor sobre isso é Tim Carter, um sobrevivente da tragédia: A localização dessas injeções era aleatória e variada, apesar do testemunho do principal patologista da Guiana, Dr. Leslie Mootoo, no inquérito em Matthews Ridge, de que todas as injeções foram encontradas localizadas entre as omoplatas. Eu pessoalmente vi abscessos na têmpora esquerda, pescoço, costas da mão, braço, perna, bochecha e costas do ombro. Acredito que o Dr. Mootoo estava descrevendo os corpos encontrados no “dormitório” onde Hyacinth Thrash e outros idosos viviam.
O número de pessoas injetadas à força com veneno nunca será totalmente conhecido. [...] Existem alguns sobreviventes que acreditam que alguma força externa entrou em Jonestown e injetou os corpos post-mortem em uma tentativa de fazer com que parecesse assassinato. Para essas pessoas eu digo. ouça as palavras de outra testemunha ocular, que em entrevista à televisão feita logo após a tragédia descreveu o que viu: pessoas que não cooperaram foram injetadas com veneno onde estavam sentadas, ou foram imobilizadas e injetadas com veneno. O olhar das testemunhas mostra que muita gente foi assassinada no meio do suicídio revolucionário. Essa é a prova de que os líderes do Templo fizeram um grande assassinato em massa. Os únicos que cometeram suicídio por livre e espontânea vontade foram Jones e outros membros da liderança. Como todo o psicopata gosta de se imortalizar seus atos, Jones gravou todo o processo na fita final. Isso mostra o quanto esse homem era perverso. A gravação não foi uma tentativa de fazer uma despedida e afirmar que o projeto socialista havia fracassado por pressão externa. É uma documentação histórica do crime que ele cometeria e que o manteria na história. Uma espécie de troféu. Ele poderia ter simplesmente matado as pessoas silenciosamente, mas ele queria mostrar que ELE havia feito aquilo. Todos os detalhes.

E sabe o que mais impressiona? Novecentas e dezoito pessoas perderam suas vidas nesse processo diabólico, mas apenas Larry Layton foi preso e sentenciado à prisão perpétua por ser o único dos atiradores identificados que mataram o congressista Leo Ryan. Ele foi solto depois de vinte anos de encarceramento. Nenhum membro da liderança da igreja nos EUA foi investigado. Como Jones era cercado por pessoas tão más quanto ele, a Peoples Temple continuou em operação por um bom tempo. Eles tratavam mal os parentes que vinham até San Francisco pedir informações sobre os mortos. Uma família que havia saído do Templo há muitos anos, e que foram considerados traidores por terem falado com a imprensa, foi encontrada morta dois anos depois do suicídio de Jonestown. O crime foi investigado, mas ficou sem solução. Muita gente acredita que o assassinato foi praticado por membros da igreja. E faz sentido. Jim Jones não teria construído um império de terror sozinho. A Peoples Temple era um playground para gente malévola.

O que me entristece em toda essa situação é que cultos continuam sendo criados. Muitos deles até recebem a alcunha de igreja. São organizações que possuem muito dinheiro, que exploram a fé das pessoas e utilizam os mesmos métodos de controle da seita de Jones. E mesmo depois de tragédias como Jonestown e Waco, essa indústria de lavagem cerebral religiosa é permitida e legalizada, independente das violações de direitos humanos que são cometidas dentro dessas denominações religiosas. Os EUA não aprenderam nada com Jonestown. Nem o resto do mundo. Existem centenas de cópias do Jim Jones pelo Brasil, explorando financeiramente seus membros abertamente e nada é feito para coibir essas ações.



Livros utilizados:

The Road to Jonestown: Jim Jones and Peoples TempleAutor: Jeff Guinn

Stories from JonestownAutora: Leigh Fondakowski
 
Jonestown: "Don't Drink the Kool-Aid": (The complete story behind the mysterious Jim Jones & his exodus to Guyana) - Autor: Will Savive

Raven: The Untold Story of the Rev. Jim Jones and His PeopleAutores: Tim Reiterman e John Jacobs 

Seductive Poison: A Jonestown Survivor's Story of Life and Death in the Peoples Temple Autora: Deborah Layton


Filmes e séries: 




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