Cinema fantástico brasileiro e os novos rumos do Cinefantasy: um bate-papo com Monica Trigo







O Cinefantasy é uma das janelas do cinema fantástico aqui no Brasil. O festival paulista está indo para sua nona edição em setembro e conta com muitas novidades. Desde o ano passado, a mostra é dirigida pela gestora cultural Monica Trigo. A diretora possui uma vasta experiência na área: foi responsável pela Secretaria de Cultura de Paulínia (e pelo seu polo cinematográfico). Realizou duas edições do Paulínia Film Festival e a I Mostra Cinema e Direitos Humanos na Rua, de Salvador/BA. Trabalhou no Ministério da Cultura, é jurada técnica de festivais de cinema e produtora executiva da minissérie documental do Canal Brasil, Rio de Topless. Hoje, no projeto Final Chica, tive a oportunidade de entrevistar a Monica sobre o Cinefantasy e sobre o cinema fantástico feito no Brasil.


[FG] Monica, como você começou a se interessar por cinema fantástico?

Eu literalmente nasci numa sala de cinema de rua, quando minha mãe em pleno dezembro, grávida de nove meses resolveu assistir um filme de mais de três horas. Essa história passeou pela minha formação e pelas minhas escolhas profissionais. Passei a vida assistindo absolutamente tudo e sou uma gulosa consumidora de produções brasileiras. O cinema fantástico é um permanente exercício de imaginação, permite uma viagem através de diversos olhares culturais, apresenta uma multiplicidade criativa única onde o sonho e muitas vezes o pesadelo, despertam emoções diversas e contraditórias.


[FG] O Cinefantasy está indo para a nona edição. Como o festival surgiu?

A ideia inicial do Cinefantasy surgiu em maio de 2005 quando o Eduardo Santana e a Virginia Amaral criaram um festival de cinema fantástico no Brasil quando ainda não existia nenhum tipo de evento similar no País. A primeira edição, em 2006, foi totalmente focada em curtas-metragens brasileiros e em 2008, o Cinefantasy estabeleceu uma parceria com outros festivais da América Latina para compor uma programação especial de sessões convidadas de curtas e longas-metragens. A 5ª edição foi um novo marco para o festival, que inaugurou sua mostra competitiva de longas-metragens. Desde da 3ª edição o Cinefantasy desenvolve atividades formativas. Até hoje foram 54, entre cursos, workshops, palestras e bate-papos. No ano passado, recebemos a inscrição de 547 títulos, de 44 países dos cinco continentes. E foi em 2018 que demos início ao Esquenta Cinefantasy, com exibição dos filmes premiados na edição anterior, na periferia de São Paulo, levando a experiência do cinema para o espaço coletivo da rua.

[FG] Esse ano o festival substituiu o prêmio Corpo Seco Dourado por um troféu que homenageia o ícone, José Mojica Marins, que é o pioneiro do cinema de terror no Brasil. Eu queria saber de você: O que você mais gosta nos filmes do Mojica?

O Mojica é um animal dialético. É impressionante o papel de sua obra para o cinema brasileiro, por isso a ideia de homenagear em vida esse importante ícone do cinema fantástico mundial. O José Mojica Marins é o mais importante diretor do gênero no Brasil: em 1973 obteve o prêmio especial de Sitges por À Meia-Noite Levarei Sua Alma, criou e dirigiu importantes obras e teve seu retorno com o filme Encarnação do Demônio, foi retratado na minissérie Zé do Caixão, dirigida pelo Vitor Mafra. Foi homenageado na 5ª edição do Cinefantasy com a exibição da trilogia À Meia-Noite Levarei Sua Alma, Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver e Encarnação do Demônio, no Centro Cultural São Paulo com sua presença. E eu também o homenageei em 2013 no Festival de Cinema de Paulínia.

[FG] Uma coisa muito bacana sobre o festival é a mostra Mulheres Fantásticas, onde serão exibidos filmes dirigidos por mulheres. É uma iniciativa muito bacana, pois normalmente o cinema de terror e outros gêneros abrangidos pelo fantástico costumam ser predominantemente masculinos. Por que você acha que os gêneros abrangidos pelo fantástico sejam tão pouco explorados por mulheres?

Assumi a direção do Cinefantasy no ano passado e criei a mostra Mulheres Fantásticas pensando num novo espaço para ampliar a presença e o alcance de obras dirigidas unicamente por mulheres. Para você ter uma ideia, nos últimos dez anos a presença feminina na direção de filmes lançados em salas comerciais no Brasil, nunca ultrapassou 25%! E com gênero fantástico não é diferente, repete essa baixa representatividade feminina. Um festival de cinema é uma vitrine e um estímulo para formação de um público consumidor de cultura e o Cinefantasy pretende ir além, oportunizando as novas narrativas através do empoderamento das mulheres.


FG] O Festival é uma janela da produção cinematográfica brasileira comercial e amadora. Baseado no que já foi exibido no festival, como você avalia a produção cinematográfica de terror no Brasil?

O Cinefantasy já homenageou e/ou exibiu as obras de vários cineastas nacionais e internacionais: Denis Villeneuve, Marc Price, Pedro Pires, José Mojica Marins, Alê Abreu, Ruggero Deodato, Andrés Muschietti, entre outros. Na terceira edição recebeu Victor-Hugo Borges com Historietas Fantásticas para Crianças Mal-Criadas que ganhou o prêmio de melhor filme, Juliana Rojas e Marco Dutra com Um Ramo e Dennilson Ramalho com Amor só de Mãe. O diretor paulistano Joel Caetano, que começou com curtas-metragens da faculdade e hoje é assistente de diretor de longas-metragens, exibiu seus filmes em sete edições do Cinefantasy, e Rodrigo Aragão em duas, por exemplo. No ano passado homenageamos a diretora Juliana Rojas pelo conjunto de sua obra. Ela é um belo exemplo da produção cinematográfica brasileira do gênero, tendo o seu primeiro trabalho, um curta-metragem incluído no Festival de Cannes. Seus três longas foram exibidos e premiados em diversos festivais nacionais e internacionais e sua última obra, em parceria com Marcos Dutra, foi pré-selecionado e disputou a indicação de filme para representar o Brasil no Oscar 2019.


[FG] Monica, você poderia falar um pouco sobre a 9º Edição do Festival. O que os participantes irão encontrar esse ano?


O Cinefantasy acontecerá de 3 a 8 de setembro no MIS – Museu da Imagem e do Som de SP, este ano. A programação, com curadoria geral do Eduardo Santana, apresentará a já tradicional Mostra Competitiva de Longas e as Mostras de Curtas de Animação, Fantasia, Ficção Científica, Horror, de filmes de Estudantes e de filmes Amadores. Faremos a segunda edição da Mostra Espanha Fantástica, com curtas espanhóis. Teremos diversas atividades formativas, mesas de debates e novidades para os curtas brasileiros que concorrem ao Prêmio Brasil Fantástico. Fortaleceremos as exibições itinerantes na periferia de SP, levando títulos premiados na 8ª edição, apresentando a pluralidade de olhares. O Regulamento também traz novidades, para concorrerem os filmes devem ser inéditos na cidade, realizados entre 2017 e 2019 e, os curtas com até 15 minutos. Mas o 9º Cinefantasy tem uma responsabilidade maior neste ano de paralisia nacional das políticas públicas de cultura. Por dever civilizatório, realizaremos um festival ampliando a inclusão de pautas essenciais: a Mostra Mulheres Fantásticas segue firme e terá um júri técnico composto por três mulheres do cinema; criamos a Mostra de Curtas Fantástica Diversidade, com filmes fantásticos com temática LGBTQ+. É a nossa forma de responder às tensões políticas em que o país mergulhou e de celebrar a importância da diversidade.


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