Cinema de terror argentino: Uma entrevista com o pesquisador Jonathan Risner







Em mais um capítulo do projeto Final Chica, hoje é dia de falar sobre o cinema de terror feito na América do Sul. Para isso, eu entrevistei o professor da Universidade de Indiana, Jonathan Risner. O docente é um importante pesquisador do cinema de terror latino-americano. Parte de sua investigação resultou no livro Blood Circuits, lançado ano passado. A publicação é um panorama sobre o cinema de terror contemporâneo da Argentina. Nessa entrevista, Risner fala um pouco sobre sua experiência como pesquisador desses longa-metragens feitos em solo argentino, os chamados A-horror.

[FG] Como você começou a pesquisar sobre terror? Você sempre gostou do gênero? 

Eu sempre gostei de cinema de terror, sempre gostei do Freddy Krueger, Jason, Michael Myers, Hellraiser, esses tipos de filmes. Eles são ótimos. Eu deveria dizer que minha pesquisa definitivamente me impulsionou a procurar em outros lugares, como Itália, filmes da Hammer da Inglaterra, terror da América Latina, horror japonês, de qualquer lugar. E eu comecei a pesquisar sobre filmes de terror quando eu estava na graduação. Eu estava fazendo um curso de Memória. E provavelmente era 2005. E nos Estados Unidos, as pessoas de outros lugares sabem, foi durante a guerra contra o terror, no governo do George W. Bush. E há uma razão para isso. Naquele momento, em 2005, nos Estados Unidos, estava surgindo um novo subgênero do cinema, o torture porn e muita gente acha que não é necessariamente originado nos Estados Unidos e eu definitivamente consigo ver esse argumento. Dois filmes, Jogos Mortais e O Albergue, foram lançados naquele momento e se você assistir O Albergue, há a ilusão de que a guerra ao terror seria boa, há fotos de prisões e algo mais acontecendo. Então, você tem esse filme, que foi imensamente popular e importante também. E inúmeros outros filmes nos Estados Unidos estavam lidando com a guerra ao terror de uma maneira bem específica e estavam falhando na bilheteria. Então era meio estranho que o cinema de terror fosse tão gigantesco. Realmente popular nos Estados Unidos. Mas melodramas e dramas, as comédias (em um nível mais baixo), não estavam indo tão bem, em detrimento da guerra contra o terrorismo. E assim era.

[FG] Como você se interessou sobre o cinema de terror argentino? Como você definiria os filmes de horror argentinos? 

Durante aquele mesmo momento, 2005, 2006, 2007, eu li online na Revista Variety, uma publicação da indústria do cinema. Faz algum tempo! Eu li sobre os filmes de terror argentinos e não fazia ideia de que eles existiam. E fiquei imediatamente interessado. Porque naquele momento o meu entendimento sobre cinema argentino era que ele era mais definido por filmes de arte, dirigidos por Lucrecia Martel, e outros diretores. Documentários. E também alguns filmes de crime. Nenhum filme que eu recorde nesse momento. Então eu estava procurando algo diferente e também estava fascinado pela ideia de que você podia fazer filmes de terror argentinos e não acusar, pensar ou invocar algumas das violências que aconteceram na ditadura militar ou antes. Falando especificamente entre os anos de 1976 e 1983. Não é segredo que, quando você assiste filmes de terror, há na maioria das vezes sequestros, pessoas mantidas em cativeiro, às vezes elas podem ser torturadas. Essas coisas acontecem frequentemente em filmes de terror, incluindo os filmes de terror argentinos. Então, estava interessado na recepção, nas intenções dos diretores, se o cinema de horror argentino tem a ver com a história ou com a política argentina, ou não. E definitivamente não é o caso todo o tempo. É claro que têm alguns filmes que lidam com a história argentina e a política de uma maneira explícita. E depois de uma olhada na breve organização do cinema de terror argentino, é um animal complicado. E não tem sempre a ver com política, o que é uma coisa boa.

[FG] Você escreveu um livro sobre o cinema argentino de terror, chamado Blood Circuits? Você poderia falar um pouco sobre ele? 

E falando sobre o livro que eu escrevi e finalizei há dois anos atrás, chamado Blood Circuits,  é sobre cinema de terror argentino. Mais especificamente sobre cinema de terror contemporâneo argentino. Eu estava olhando para o cinema argentino em um modo transnacional. E como os filmes atravessam fronteiras. Em outras palavras, você pode fazer um filme de terror na Argentina, mas com certeza ele vai ser consumido e assistido em outros lugares. E por inúmeras razões. E uma das razões é a popularização do cinema de horror em uma grandiosa escala e também plataformas de distribuição como YouTube, Netflix, Dailymail e, é claro, sempre há festivais de cinema de terror que exibem filmes de terror de toda parte. Em meu livro, eu olho para os filmes da Argentina e tento pensar que a Argentina também é uma consumidora de cinema de terror. Filmes de terror de outros lugares são populares lá, não só em bilheteria, mas também em plataformas de streaming, redes de distribuição informal. Essas coisas são importantes de entender. Mas também você pode assistir ao filme e pode dizer que o diretor, os atores e as outras pessoas que trabalham no filme entendem de cinema muito bem. E eles entendem as diferentes partes dos subgêneros. Se você assistir um filme de zumbis argentinos, como Plaga Zombie, você vai ver que aquelas pessoas definitivamente entendem do subgênero muito bem. E é muito legal ver. Em Blood Circuits, eu tentei ver o cinema argentino nos mais diferentes níveis. Não só filmes comerciais que ganharam lançamento no cinema, Netflix ou algo do tipo, mas também filmes de baixo orçamento, que podem ter a distribuição apenas no YouTube. Esses filmes também são importantes e essas películas podem ser um caminho para os diretores fazerem seu caminho no terror para fazerem filmes comerciais. E se não fizerem está tudo bem. Filmes de baixo orçamento são ótimos. Há algo mágico sobre eles e uma definição sobre cinema de terror argentino, em minhas entrevistas com diferentes diretores e jornalistas, às vezes as pessoas falavam de como no terror argentino você tem que fazer com poucos recursos e é maravilhoso ver o resultado às vezes. Se eu puder nomear outras partes do Blood Circuits, o que eu escrevi sobre, eu dou uma espécie de economia plural. No primeiro capítulo, como o terror argentino é consumido nacional e internacionalmente. Em outro capítulo eu me devoto no conteúdo de alguns filmes específicos. E um capítulo eu falo sobre o espaço. Em outras palavras, subúrbios ou a cidade ou o campo. Em outro capítulo eu lido com filmes de terror argentinos falados em inglês. O que aconteceu foi que o INCAA, a agência governamental que ajuda a produzir filmes em um nível nacional e filmes de terror não eram feitos desde 1987. Um filme não foi patrocinado ou recebeu apoio governamental até 2008. Então durante isso, em torno de 20 anos, as pessoas estavam fazendo filmes com baixo orçamento. Usando seus próprios recursos ou fazendo em duetos. E um desses parcerias, um desses duetos, fizeram um filme na língua inglesa, e fizeram a Argentina frequentemente parecer os Estados Unidos para vender seus filmes para o mercado de filmes b dos Estados Unidos. E foi um meio dos diretores lançarem seus nomes lá fora. E foram bem sucedidos. Há um capítulo em que falo sobre esses filmes e o modo que eles podem ser interpretados. Também há um sobre filmes de terror punks. E o cinema é punk por inúmeras razões, mas eu acho que eles são importantes, porque são feitos com um orçamento muito restrito, frequentemente são feitos para ofender e você pode ver esforços punks em toda a parte, como a música punk. Mas você também pode falar desse cinema como cinema underground e são divertidos de assistir. Em outro capítulo, no último capítulo do livro, eu lido com a questão da última ditadura militar e o cinema de horror argentino. Eu comecei o capítulo dizendo que todo o terror argentino não é necessariamente sobre a  última ditadura. Mas, ao mesmo tempo, em 2010, ou mais cedo que isso, o filme Nunca Asistas este tipo de fiestas, é uma película de terror que lida com a política da última ditadura em termos muito explícitos. Então de novo, nós temos esse tipo de organização no cinema de terror argentino que são extensíveis com a ditadura por causa da presença de tortura ou algo como cativeiro, sequestro. Mas ao mesmo tempo, nós precisamos entender que isso são coisas típicas da ditadura, mas também é típico do cinema de terror. Não é necessariamente referência para a política. E esses filmes, de novo, cerca de 5, 6, 7 filmes de terror argentinos, que lidam sim com o legado da ditadura em termos muito explícitos.

[FG] Os filmes de terror argentinos são bem aceitos no mercado de língua inglesa se pensarmos no contexto de filmes de terror da América Latina. Por que você acha que isso acontece? 

Eu falei com diferentes distribuidores de filmes de terror dos Estados Unidos e é um entendimento comum que filmes de gênero, como filmes de terror, filmes de detetives, comédias românticas, sempre terão audiência nos Estados Unidos porque são gêneros populares e as pessoas consumem esses gêneros de filmes, independente do que elas irão assistir. As audiências nos Estados Unidos costumam não gostar de legendas. E no caso de filmes de terror, é algo cômico, porque no caso do horror usualmente as pessoas não se importam de ler legendas se o filme tiver gore, sangue e algumas outras coisas. E acertando o alvo, será assistido nos Estados Unidos. E filmes de terror argentinos, assim como filmes de outros lugares da América Latina, assim como México, Brasil, Chile, Venezuela, Peru, os diretores, as outras pessoas que estão fazendo os filmes, os atores, os técnicos, eles entendem o gênero muito bem. E os filmes são traduzidos para diferentes mercados porque eles entendem o gênero bem. E há audiência e mercado para eles nos Estados Unidos.

[FG] Por que você acha que os argentinos conseguem fazer filmes de terror com tanta diversidade? Em muitos países da América Latina, normalmente, os diretores exploram poucos subgêneros.

Além do México, eu diria que sim. A Argentina está ali, fazendo mais e mais filmes de terror. E acho que muito disso tem a ver com o tipo de história e consumo do cinema de terror dos anos 70, 80, 90. Pelo menos na Argentina. Eu falei com vários diretores que cresceram assistindo um programa chamado Sabados de Super Acción e eles podiam assistir filmes de terror nos sábados e eles desenvolveram uma afinidade por películas de terror. Mas também nos anos 80 e 90, a cultura de cinema em casa, com o VHS, o Beta Max e também, é claro, o DVD nos anos 90 e o streaming hoje em dia... Há consumo de filmes de terror. Os diretores eram usualmente fãs que assistiam esses filmes, gostavam e agora estão fazendo seus próprios filmes. Acho que isso é importante de entender. É é claro, as tecnologias tornaram-se baratas, então eles podem fazer esses filmes baratos e é claro que essas plataformas de distribuição ajudam a lançar um filme mais facilmente.

[FG] Se formos comparar um filme como Habitaciones para Turistas, por exemplo, que é um slasher argentino, como um filme similar do mesmo subgênero nos Estados Unidos. Quais são as principais diferenças entre eles? O que a Argentina trouxe para esses transnacionais e tradicionais modelos de filmes de terror e para esses subgêneros tão explorados em Hollywood e no cinema underground americano?

Você definitivamente consegue ver a influência e a compreensão do gênero slasher no filme. A final girl está lá, elementos do gênero estão lá. Mas, ao mesmo tempo, o filme é diferente. Às vezes é argentino, em um sentido que você pode ver o interior, os pampas, o sotaque das atrizes que são diferentes. Mas também a questão do aborto está lá. Outros filmes de terror lidam com aborto, mas esse filme é diferente e o faz distintamente argentino. E também o filme é diferente no sentido das imagens preto e brancas, os efeitos especiais, são coisas que fazem que o filme seja diferente.

[FG] Você acha que essa grande demanda por filmes de terror na Argentina é uma maneira de lidar com o trauma histórico da ditadura militar? 

Eu diria sim e não. É claro. Essa é uma pergunta difícil e incrivelmente complexa. Falando com os diretores, eu perguntei no que os filmes lidam com a última ditadura e não há menção para a ditadura. E a maioria das respostas era não. Fazer filmes na Argentina é um modo de lidar com algo diferente. A Argentina, desde o começo, é conhecida por seu cinema de arte, filmes de crime e também documentários. E fazer filmes de terror é diferente. É como, de alguma maneira, é ir contra o que está estabelecido fazer um filme de terror. Eu lembro de um comentário de um diretor em particular, Javier Diment, que é algo de diferente, "é não lidar com o cinema que lida com política, estamos fazendo algo diferente". Ao mesmo tempo, filmes foram feitos, começando com Sudor Frío e No Asistes a este tipo de fiestas, que mostram que o filme pode ser usado para lidar com política, lidar especificamente com o legado da ditadura. E há duas coisas. Eu penso de novo que tem a ver com as gerações e como as pessoas tiveram a experiência com a política, e o legado da última ditadura. Alguns leram sobre, cresceram nos anos 80, nasceram nos anos 70 ou nasceram nos anos 90. E de alguma maneira tem um diferente relacionamento com o trauma e você pode ver esse tipo de organização, como o filme lida com a ditadura. E é triste e fascinante ao mesmo tempo.

[FG] Qual é o seu filme de terror argentino favorito? 

É muito difícil de responder. É como escolher o filho favorito. Eu não sei. Eu gosto de Plague Zombie: La Zona Mutante. Eu acho que é um grande filme. Eu também gosto dos filmes feitos pela Paura Flicks e dirigidos por Adrián García Bogliano, como 36 Pasos, Sudor Frío, Habitaciones para Turistas. Eu também gosto de filmes como Goreinvasion, filme dirigido por Germán Margariños. Aterrorizados, dirigido por Demián Rugna. Eu também gosto de alguns filmes dirigidos por Daniel de la Vega. Os novos filmes são grandes feitos e são ótimos e eu estou procurando pelo que mais for feito.


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