Especial West Memphis Three — Capítulo 3: Uma força-tarefa contra três adolescentes


Mas o que realmente importa e o que faz a gente chegar ao ponto de cruzar o país para vir para Jonesboro, Arkansas, em nossa semana de férias, são assuntos mais importantes, como justiça, uma polícia incompetente e um sistema jurídico corrupto que opera no vácuo aqui no Arkansas quando ninguém os vigia.” Burk Sauls, criador do site WM3.Org, durante o documentário Paradise Lost: Revelations (2000).


Quando fiquei sabendo sobre o caso do West Memphis Three, eu mergulhei no assunto. Frequentei grupos na internet, ouvi podcasts, li livros, sites sobre o assunto. E a demora em escrever esse texto decorre disso, da minha total exaustão sobre o tema. É um território muito pesado. É o assassinato brutal de três crianças e, além disso, existem outros fatores nessa história que são muito perversos. Na minha opinião, esse crime não é nada sofisticado como aparenta ser. Provavelmente foi praticado por alguém que conhecia as crianças e que, após o crime, continuou vivendo na comunidade, pois não foi investigado devidamente. E nem passou por algum tipo de interrogatório. Outra hipótese plausível é de que o assassinato, por ter ocorrido em uma região com um grande fluxo de pessoas, oriundas de várias partes do país, tenha sido praticado por alguém que passava pela rodovia. Os EUA tem esse histórico gigantesco de serial killers. As autoridades da cidade, porém, venderam o triplo assassinato como algo exótico, uma atividade satânica, praticada por um grupo de jovens metaleiros da cidade de West Memphis. Essa resolução apresentada pela polícia, que beira o absurdo, permitiu que, ao longo dos anos, uma série de questões fossem levantadas em relação ao trabalho desempenhado por eles ao investigar o crime. E como aparentemente, depois de tantos anos (o fato aconteceu em 1993), ainda existem pessoas interessadas em proteger com unhas e dentes essa teoria policial de que trata-se de um crime praticado por uma seita juvenil, é interessante refletir um pouco sobre a investigação feita pelo Departamento de Polícia de West Memphis. Eles deixaram tantas perguntas sem resposta, em uma investigação claramente insuficiente (onde você não sabe se os policiais foram relapsos intencionalmente ou por uma questão de incompetência),  que acabaram criando um verdadeiro campo de batalha de opiniões ao longo dos anos sobre o homicídio, o qual movimenta até hoje fóruns pela internet, dedicados em descobrir quem são os verdadeiros responsáveis pela morte dos três meninos. Pois tem uma coisa que muita gente não consegue acreditar: que Damien Echols, Jason Baldwin e Jessie Misskelley Jr, que ficaram presos por 18 anos, acusados pelo triplo assassinato, tenham qualquer participação nisso.
 
Damien Echols e Jason Baldwin


A condenação dos três réus, de forma evidente, foi baseada em uma investigação policial extremamente tendenciosa. Além disso, os três garotos tiveram dois júris “circenses”, que mais pareciam um tribunal da Santa Inquisição do que algo amparado por leis. O documentário Paradise Lost (1996), ao mostrar as nuances do que estava rolando no Arkansas, escancarou um lado muito perverso dos Estados Unidos. Quando não estão sendo vigiados de perto, o sistema policial e judiciário caminham juntos, a fim de blindar interesses comuns. O caso de West Memphis é apenas um entre centenas de outros, onde agentes de corporações policiais, muito corruptos, colocam pessoas inocentes atrás das grades. De como certos assassinatos de crianças, baseados puramente na classe social das vítimas, não são investigados com tanto afinco. Isso aconteceu em West Memphis. Isso aconteceu em Atlanta, no estado da Geórgia, onde várias crianças foram assassinadas nos anos 70. E isso é um fator recorrente em muitas outras partes do país, mas que, infelizmente, não receberam atenção da mídia.

Para começar a falar sobre isso, eu preciso voltar um pouco no tempo, alguns meses antes do crime. A polícia de West Memphis possuía uma força-tarefa contra tráfico de drogas, e eles eram os “donos da cidade”. Segundo o site JivePuppi, ela era conhecida por ser uma das melhores dos Estados Unidos. Para situar você, a cidade de West Memphis é um local bem propício para que ocorra narcotráfico. Ela está localizada entre três grandes rodovias, na fronteira com uma das maiores cidades do estado do Tennessee, Memphis. Basicamente, essa equipe tinha um papel muito importante na comunidade. E estavam conseguindo arrecadar muito dinheiro. Segundo o site JivePuppi, só no ano de 1992, eles chegaram a arrecadar $1 milhão de dólares em valores retirados de criminosos. Mas algo parecia não estar tão correto assim. Na superfície, eles eram policiais incríveis. Mas algumas situações começaram a mostrar que talvez isso não fosse a realidade. Muito do dinheiro arrecado da força-tarefa era obtido por extorsão. Eles ouviam as frequências de rádio amador dos carros e "decidiam" que veículos deveriam parar. E nem sempre as pessoas eram criminosas. Eles inventavam pretextos para reter o dinheiro, usando desculpas como: "seu dinheiro está com um cheiro estranho. Acho que é maconha". Para não ser preso, o motorista entregava o valor para o policial.

Segundo Mara Leveritt, em seu livro Dark Spell, a força-tarefa de West Memphis agia de forma independente e nunca quis participar da rede de forças-tarefas do estado do Arkansas, pois isso significaria ter que dividir o dinheiro que eles obtinham na região. Só em 2000, eles arrecadaram quase seis milhões de dólares. Isso é mais da metade de todo o dinheiro arrecado com apreensão de drogas em todo o estado do Arkansas naquele ano.

O FBI conduziu uma investigação na força-tarefa em 2002, a qual resultou no indiciamento de várias pessoas. Uma delas é muito familiar: o detetive James Sudbury. Essas investigações começaram a ser feitas, pois os policiais estavam vivendo um padrão de vida muito superior ao salário que recebiam na corporação. Compravam motocicletas caras, viajavam de jatinho, compravam casas gigantescas, entre outros fatores. Isso fez que muita gente desconfiasse. Sudbury foi demitido em 2002 por violação de apreensão de dinheiro. Ele havia sido indiciado pelo mesmo crime em 1993, quando fora acusado de desviar dinheiro e drogas da Polícia de West Memphis. O então promotor do condado, Brent Davis, que trabalhou ao lado de John Fogleman na acusação contra o West Memphis Three, simplesmente arquivou o caso. Sudbury continuou na polícia, assim como os outros policiais que foram indiciados. Bastante estranho, não? E, durante o período em que Sudbury estava participando das investigações do homicídio das três crianças, ele estava sob investigação do Estado do Arkansas. E, após o julgamento do caso da morte dos três meninos, essas acusações contra ele simplesmente desapareceram como mágica. Como é bom ter amigos importantes, não é mesmo?

Ainda em 1993, antes dos assassinatos acontecerem, o caos era tão gigantesco dentro dessa força-tarefa que um dos oficiais, Clark White, foi assassinado no dia 16 de janeiro. A motivação para o crime seria de que White era usuário de drogas e tinha dívidas com traficantes. Mas foi encontrado em seu trailer um frasco com veneno líquido e a autopsia comprovou que sua morte ocorreu devido a ingestão da substância. Dois homens foram presos pelo crime. Um foi indiciado pelo assassinato. [Fonte]

Acelerando o passo para o dia da morte dos três meninos, muito se fala sobre a resposta que a polícia de West Memphis deu ao desaparecimento das três crianças. Eles mandaram dois policiais. A primeira era a oficial Regina Meek, a qual atendeu a chamada de John Mark Byers, sobre o sumiço de seu enteado. Depois disso, não foi mais vista. E o patrulheiro John Moore, o qual ajudou Mark a procurar um pouco pelas crianças na área onde eles foram encontrados mortos na tarde do dia seguinte. Segundo o site JivePuppi, existem registros de que o policial John Slater, que trabalhou no turno da noite, teria estado também procurando pelas crianças atrás do lava-jato de caminhões Blue Beacon, onde horas mais tarde os corpos seriam encontrados em suas cercanias, até aproximadamente 5:26 da manhã. Quando Slater foi questionado sobre essa nota, ele disse: “O policial Slater explicou mais tarde que havia inicialmente uma falta de comunicação e o turno da noite (a partir das 23 horas), não foi informado sobre crianças desaparecidas". (Fonte) Alguém provavelmente falsificou essa nota. E essa não foi a única alteração grosseira feita nos relatórios policiais daquele dia. Afinal, qual era a intenção por trás disso? Eles queriam esconder alguma coisa? Somente no outro dia a polícia foi atrás das crianças com força total.

Enquanto os pais reviravam sozinhos a região de Robin Hood Hills durante a noite do dia 05 de maio, completamente sozinhos, a polícia aparentemente tinha outras preocupações em West Memphis. Tanto que na noite dos crimes, um homem negro desconhecido, coberto de sangue e lama, apareceu em um restaurante, o Mr Bojangles, o qual ficava na região onde as crianças foram mortas. O restaurante estava localizado na 1551 N. Missouri. Um trecho do 10 Mile Bayou, onde os meninos foram encontrados, passa por trás do prédio do estabelecimento. 


 
Se o assassino quisesse se deslocar pelo córrego, o qual tem uma profundidade de cerca de um metro na maior parte do seu percurso, ele poderia. Também conseguiria andar pela beirada do mesmo. Essa pessoa deixou um óculos de sol dentro da privada do restaurante. Havia também um rolo de papel higiênico cheio de sangue no local. Além disso, haviam marcas na porta do banheiro feminino, onde ele se refugiou. Também foram encontrados resíduos sanguíneos nas paredes. Regina Meek, a policial que atendeu a ocorrência, nem entrou no restaurante para se certificar sobre o que havia acontecido lá dentro. Como a polícia não se preocupou com a situação, o que os funcionários fizeram? Eles limparam o local e se livraram das evidências que poderiam ajudar a polícia. Policiais visitaram o Mr Bojangles apenas no dia seguinte e os detetives Bryn Ridge e Mike Allen só conseguiram algumas análises de sangue das paredes. Durante o julgamento, Bryn Ridge foi questionado sobre a evidência, e  principalmente, quem poderia ser o homem misterioso que entrou no restaurante. Ele disse que não poderia responder, pois havia PERDIDO as evidências. Tudo muito conveniente. No dia em que os meninos sumiram, um morador de West Memphis disse para a polícia que um homem negro, que possuía uma van com placas de Indiana, estava pedindo emprego pela cidade e estava se comportando de forma perturbadora. Ele tinha uma arma. Caminhoneiros também teriam visto um homem ensanguentado andando pela rodovia na noite dos crimes. Muitos tiroteios aconteceram naquela dia em West Memphis. Inclusive, Ryan, irmão de uma das vítimas, quando estava procurando pelo irmão, Chris Byers, afirmou ter ouvido um disparo vindo da região da floresta, o que fez que seus amigos recuassem e esperassem um pouco para irem novamente em direção da mata. Mesmo que o homem, que é conhecido como Mr Bojangles, não tivesse nenhuma participação no crime, é estranho que qualquer evidência do restaurante tenha sido perdida e que nenhuma investigação formal tenha sido feita sobre isso. Um homem ensanguentado estava nas cercanias de um crime terrível. Os três jovens acusados pelo crime, por outro lado, não foram vistos por ninguém na região. A única testemunha que disse ter visto Damien andando pela rodovia com a namorada foi desmentida.
 
As pistas dadas para a polícia sobre o homem misterioso e o transeunte ensanguentado



O Blue Beacon

 
O lugar onde as crianças foram encontradas ficava cerca de 68 metros de uma lava-jato de caminhões, chamado Blue Beacon, o qual ficava aberto a noite toda, e de uma parada de caminhões, a Union 76. Misteriosamente, ninguém desse lugar parece ter sido interrogado. Mesmo sendo um ambiente que recebia caminhoneiros e motoristas de todas as partes dos EUA. West Memphis é, literalmente, o entroncamento de três grandes rodovias. Inclusive, o pai de uma das vítimas era caminhoneiro na época, Todd Moore. A polícia de West Memphis não teria nem investigado se ele estivera mesmo na Louisiana como alegava na época. Ele sequer foi chamado para um interrogatório. O único dos pais dos garotos que foi investigado de perto pela polícia foi John Mark Byers, padrasto de Christopher Byers. A polícia não fez nenhum tipo de investigação profunda, mesmo sabendo que Moore foi visto às 15:00h da tarde daquele dia em West Memphis. Ele só se juntou ao grupo de buscas na manhã do dia seguinte, e por essa razão o seu álibi parece estar correto, indicando que ele foi mesmo para o estado vizinho, que era sua rota habitual. Mas, e se ele tivesse ficado a noite toda na parada de caminhões? A polícia não teria como saber, visto que nunca investigaram isso.



Voltando ao Blue Beacon, o local ficava muito próximo da área onde os corpos foram descobertos. Os funcionários que foram interrogados pela polícia não trabalhavam no turno noturno. Os dados dos caminhões que entraram naquela noite desapareceram quase completamente. Os profissionais que trabalharam naquele turno, inclusive, foram proibidos de falar qualquer coisa. Mas não é só isso. Os únicos registros que foram encontrados no local eram do mês anterior. E alguns registros incompletos do dia 05 de maio, dia da morte dos meninos, que indicava que um caminhão da empresa Schneider, a qual Todd Moore, o pai de um dos meninos trabalhava, entrou no estabelecimento às 19:04min. Depois disso... não há mais nada. Somente o gerente da época compareceu ao tribunal e a promotoria fez para ele perguntas muito irrelevantes, as quais podem ser lidas aqui. A defesa também não fez um bom uso da testemunha. Nem parecia que ele administrava o estabelecimento que ficava, literalmente, ao lado do local onde os corpos das crianças foram encontradas. Claramente ele tinha muita coisa para dizer, principalmente pelo fato de estar no local durante o período aproximado em que o assassinato aconteceu. Ou pelo menos deveria passar por uma profunda investigação. E outra pergunta que eu faço: Por que não existem registros do interrogatório feito pela polícia com o gerente do Blue Beacon nos registros públicos disponibilizados pela polícia? E os registros dos funcionários? Onde estão esses arquivos? Por que esses empregados não foram chamados pela promotoria ou pela defesa dos réus? Qual a razão para esse silêncio? Existem muitos mistérios sobre esse lugar. A força-tarefa, inclusive, fez várias apreensões de drogas por lá. E, quando um crime ocorreu nas cercanias do Blue Beacon, os profissionais da mesma estavam em peso na investigação, algo que causa estranheza, pois tratava-se de um homicídio. Mas esses dados podem explicar a presença deles no local:


Em 1993, a CCDTF também esteve envolvida em uma investigação em andamento sobre a apropriação de itens apreendidos e uma pequena quantidade de cocaína desaparecida, sua segunda investigação em dois anos. Os oficiais apontaram os dedos um para o outro. Sudbury foi acusado por um colega de plantar drogas para apreender um veículo e por outros de manter armas apreendidas, cupons de alimentos, uma geladeira, uma vara de pescar, além de outros itens. [...] Nos próximos anos, outros membros da força-tarefa antidrogas seriam julgados por desviar dezenas de milhares de dólares. O contrabando de drogas costumava ser escondido a bordo de caminhões. Em uma única apreensão de uma semi em Lehi, no oeste do condado de Crittenden, em 1998, US $ 3.166.199 em dinheiro foram apreendidos. Em uma entrevista recente, a polícia de West Memphis declarou que monitorava a tagarelice dos rádios amadores como um meio de identificar quais veículos parar. O Blue Beacon era uma localização privilegiada para procurar veículos. É minha opinião que o CC-DTF precisava evitar o escrutínio no Blue Beacon por causa de investigações contínuas e lucrativas da força-tarefa sobre drogas. Dado o fato de os membros da força-tarefa não hesitarem em guardar para si itens moderadamente caros, como armas, é razoável supor que eles seriam suscetíveis de receber grandes quantias e grandes somas de dinheiro. No dia em que as vítimas foram descobertas, o CC-DTF iniciou o que foi descrito como a maior operação de drogas até hoje. (Fonte)


Martin Hill, autor do site JivePuppi, se mostrou muito interessado por isso. E eu acredito que seja o ponto crucial para colocar toda a investigação policial do caso em dúvida. Por que uma força-tarefa antidrogas estava tão envolvida na investigação de um assassinato? Segundo ele, cinco oficiais estavam na cena da localização das crianças (junto com dois outros policiais que viriam a fazer parte da corporação). As entrevistas feitas nas casas próximas as entradas da floresta e no conjunto de prédios Mayfair, então localizado na McAuley Street, foram feitas, inclusive, pelos policiais da força-tarefa. James Sudbury chegou a visitar Damien Echols,  que viria a ser um dos suspeitos, e conduziu vários outros interrogatórios do caso. O detetive Sudbury, inclusive, estava presente quando o oficial de Condicional, Steve Jones, encontrou um dos sapatos de uma das vítimas. Eles concluíram, ainda no local, o que é bastante estranho, que aquele crime tinha sido praticado por um culto satânico. Jones disse que conhecia alguém que poderia ter feito isso: Damien Echols, um garoto que Steve e seu chefe, Jerry Driver, estavam azucrinando há muito tempo. Echols estava sob a “supervisão” de Driver por ter fugido com sua namorada e entrado em um trailer abandonado. Por causa disso, Driver passou a ser uma pedra em seu sapato. Até mesmo quando Damien foi viver com a família em outro estado, Jerry deu um jeito de entrar em contato com profissionais do Oregon, alertando-os sobre o jovem e seu suposto background “ocultista”. Quando Echols retornou para o Arkansas, após problemas de saúde que o levaram a se afastar da família, Driver passou a persegui-lo novamente e, como ele estava sozinho em West Memphis, o mandou para a cadeia e, novamente, para um hospital psiquiátrico. Quando ele fugiu com Deanna, sua antiga namorada, ele tinha encarcerado Damien em um sanatório pela primeira vez. A dupla Jones e Driver perseguia jovens de todo o condado de Crittenden. Havia um verdadeiro esquema, muito lucrativo, onde até crianças muito pequenas eram colocadas na supervisão desses oficiais de condicional e os pais deveriam pagar certas quantias para o estado, caso contrário, perdiam a guarda de seus filhos. E eles eram indiciados pelos motivos mais estúpidos possíveis. Em 1997, Jerry Driver, inclusive, estava sendo investigado pelo estado por desvio desse dinheiro, mas o caso foi arquivado pelo juiz Burnett, que comandou o julgamento do caso do West Memphis Three. Driver teria desviado 30.000 dólares. Ele assumiu a culpa e pediu demissão. Não foi indiciado, pois ficou acertado que ele devolvesse o dinheiro com o acréscimo de uma multa.

Por essas pequenas coisas, dá para perceber que existia em West Memphis uma espécie de clube de “amigos”, que livravam a cara uns dos outros. Pelo menos é essa a impressão que eles passavam. O promotor Davis ajudou a safar os policiais corruptos da força-tarefa antidrogas, Burnett salvou a pele de Driver. West Memphis parece ter vários mistérios e jogos de poder, os quais são bastante evidentes quando pensamos no indiciamento dos três jovens pelo crime ocorrido na floresta Robin Hood Hills. Não haviam evidências. Eles tinham álibis. Não foi uma investigação factual. Eles apenas tinham uma confissão, a qual não era difícil de conseguir, visto que Jessie Misskelley Jr era um jovem com um Q.I muito baixo. Existem tantos outros casos de pessoas inocentes nos Estados Unidos, as quais foram presas após confessarem crimes que não haviam cometido, como os cinco meninos de Nova York, conhecidos como os “Cinco exonerados do Central Park”, os quais passaram muitos anos na cadeia. Um deles, Korey Wise, nem estava no parque naquela noite, apenas acompanhou seu amigo até a delegacia e os policiais o interrogaram, e arrancaram dele uma confissão de um crime que ele não tinha cometido. Ele passou treze anos na prisão. E foi o único dos jovens a ir para o cárcere para adultos, onde sofreu diversos tipos de abuso. Wise possui também problemas de desenvolvimento mental. 

Eu acho estranhíssimo que os policiais já tenham feito um julgamento prévio na cena do crime e apontado um suspeito, sem os corpos nem terem passado pela necropsia. Parecia até que os policiais sabiam quem havia assassinado as crianças e estavam procurando alguém para culpar, não é mesmo? Brincadeiras à parte, isso no mínimo é uma falta de profissionalismo tremendo. Acho estranhíssimo que a polícia, as famílias, vários grupos de busca, tenham passado horas e horas em um lugar x, procurando pelas crianças e não encontraram nada. E, de repente, um cara decide que ele tem que continuar as buscas "sozinho" e encontra exatamente o local dos corpos. E mais do que isso, ele já tem alguém para culpar. Eu não sei você leitor, mas eu acho isso muito estranho. Ou o cara é muito ninja ou ele é muito suspeito. Mas isso, é claro, é pura especulação minha.

A lista de problemas na investigação policial do caso West Memphis Three é imensa. É uma Bíblia. E como eu não tenho um background de criminalista, eu gostaria de deixar aqui tópicos que me causaram bastante estranheza para a reflexão. 

— Testemunhas viram quatro homens entrando na floresta no mesmo horário do crime. O interrogatório deles não está disponível nos arquivos da polícia de West Memphis. E veja só, o promotor do caso não convidou essas pessoas para o julgamento! Se essas pistas são improcedentes como as outras que foram descartadas, por que elas não estão disponíveis junto das demais? Isso pode provar que existem muitas provas que poderiam beneficiar os três jovens e que foram simplesmente escondidas pela promotoria e pelo departamento de West Memphis.

— A polícia, na cena do crime, já estava nomeando o Damien Echols como suspeito, mesmo não existindo nenhuma evidência de que era um crime baseado em culto. O agente de condicional, Steve Jones, responsável por essa afirmação, no documentário West of Memphis (2012), disse que questionou o promotor do caso, John Fogleman sobre o assunto, perguntando se o crime era realmente satanista. Fogleman respondeu que não. Mas todo o processo de acusação era embasado em culto, satanismo. E isso era algo que as pessoas compravam, pois eram anos em que o satanic panic estava fortíssimo nos EUA. A cidadezinha de West Memphis fica no Cinturão da Bíblia. Tanto que até hoje, nos grupos sobre o caso, ainda existem pessoas que acreditam em toda essa conversa.

— Os corpos das crianças foram retirados da água e depositados em um lugar, ao sol. A região do delta do Mississippi é muito quente no verão. Com isso, foi impossível saber com precisão o horário da morte delas. O médico legista demorou para chegar ao local. Graças a inteligência dos policiais, ficou complicado determinar o horário que as crianças foram assassinadas.

— Os policiais manuseavam evidências sem luvas. 
 
— Os policiais não entrevistaram nenhum vizinho da familia Hobbs, uma das crianças que estava desaparecida. Em 2009, uma das vizinhas da família naquele período, disse ter visto Terry, padrasto de Stevie, com os três meninos naquela noite. Ele nega.

— Apenas John Mark Byers foi entrevistado pela polícia e Dana Moore, mãe de Michael. Os outros pais das crianças não foram convidados para darem depoimentos. Terry Hobbs, por exemplo, padrasto de Steve, saiu da cidade duas semanas depois do crime e isso não foi investigado. Na semana dos crimes, dois jovens de West Memphis foram para a Califórnia e a polícia mobilizou policiais no outro estado para interrogarem os dois adolescentes. O padrasto do garoto, porém, sai da cidade, tranquilamente, e ninguém acha isso estranho. E a polícia sequer lembrou de interrogá-lo por causa dos crimes.
 
— Os policiais não seguiam pistas importantes e perdiam evidências.

John Mark Byers, que era suspeito do crime, também era informante da polícia local.

David Wren, informante da polícia, foi acusado de ter matado as crianças e foi visto próximo ao local do crime. Kacie Crawford disse para a polícia que ouviu o irmão de Wren, Frank Wright, afirmar que seu irmão havia matado os meninos, mas o chefe da força-tarefa, Tony Miller, disse que a pista era infundada e ele nunca foi investigado. Outros suspeitos, que tinham envolvimento com tráfico de drogas, eram descartados rapidamente. Se o cidadão tivesse algum vínculo com a força-tarefa antidrogas, ele era liberado das investigações. É muito estranho.

— Eles nunca investigaram o suspeito L.G Hollingsworth, mesmo existindo evidências de que ele havia mentido sobre seu álibi e algumas pessoas o viram com uma caixa que exalava um cheiro horrível. Timothy Cotten, que voltava de uma entrevista de emprego no Blue Beacon na noite dos crime, caiu no canal com sua bicicleta. Ele disse que sentiu um cheiro muito forte de sangue no local. Em fevereiro de 1994, ele foi preso. Dividiu cela com L.G. Segundo ele, Hollingsworth teria confessado que ajudou a matar as crianças. A polícia nunca prestou atenção no que Cotten dizia, pois ele era considerado uma pessoa não muito confiável por ter muitas sequelas, causadas por um longo tempo de uso de drogas.  Existe um site que desenvolve a teoria da participação de L.G no crime. Vale a leitura.

— Apenas a casa dos Moore teve um mandato de busca. Nenhuma das outras residências passou por uma investigação.

— Um dos álibis de Damien era uma esposa de um policial. Ela nunca foi interrogada, nem foi chamada para o julgamento. Nem pela defesa dele.

— A polícia, junto com Jerry Driver, se juntaram com Vickie Hutcheson, a mãe de uma criança que era amiga dos meninos que haviam sido mortos. Eles mandaram Vicky agir como uma espiã. Ela morava no mesmo parque de trailers de Jessie. Inclusive, Misskelley cuidara de seu filho algumas vezes. Ela pediu que Jessie a apresentasse para Damien. E ele a ajudou com isso. Vicky convidou o adolescente para sua casa e colocou vários livros sobre ocultismo na sala, pois queria criar uma situação para que ele se abrisse e pudesse contar algo sobre o crime para ela. Ela falou no julgamento de Jessie que Damien a levou em um culto, que as pessoas estavam nuas, e que o adolescente dirigia um carro vermelho quando a conduziu até o local. Anos mais tarde, Vickie admitiu que havia cometido perjúrio. Damien não sabe dirigir e sua família não tinha um carro dessa cor. Ele nunca a levou em nenhum lugar. Ela ainda disse que ele era um adolescente normal, que não havia nada de errado com ele. Vicky ainda permitiu que seu filho, Aaron, então com 8 anos, passasse por uma série de entrevistas com policiais e, inclusive, visitasse o local do crime com eles, pois o garotinho afirmava que estava com os três amigos quando o crime aconteceu. Em cada entrevista, ele dava uma versão diferente sobre o caso.

— O FBI tinha uma série de perguntas elaboradas, as quais eram usadas para fins de interrogatório. Em West Memphis, a polícia colocou algumas perguntas, como “você acredita em Deus? Você tem uma Bíblia em casa? E quem participava de um culto eram os três acusados, não é mesmo?

— O detetive Bryn Ridge disse no tribunal que a polícia não sabia que Jessie tinha um Q.I baixo e que eles não tinham treinamento para lidar com uma situação dessas.

Jessie Misskelley, antes da confissão, foi até a polícia e disse que tinha uma pista sobre o caso. A polícia de West Memphis estava andando em círculos e estava oferecendo uma grande recompensa. Ele disse que tinha visto crianças perto do Blue Beacon ao meio-dia. Os policiais disseram que ele voltasse caso tivesse algo mais interessante. A recompensa da época era de 30.000 dólares. Muitas pessoas estavam interessadas no dinheiro. Jessie foi visitado pela polícia alguns dias mais tarde. Com o consentimento do pai, ficou um dia inteiro na polícia, sofrendo muita pressão psicológica, sem comer, sem poder ir ao banheiro. Assinou um papel, onde abria mão de um advogado, fato que não foi explicado para ele. E, depois disso, surgiu a confissão que colocaria os três na cadeia, a qual parece ser totalmente induzida, pois Jessie começa sua fala justamente dizendo que estava no local do crime ao meio-dia do dia 05/05/1993. E depois ele vai aumentando o horário até chegar no que o Detetive Gary Gitchell queria. Apenas esse trecho exato foi o que ele mostrou no tribunal. Não existe uma fita registrando todo o período em que Jessie esteve no Departamento de Polícia. Apenas os trechos de áudio que ele "admitia" o crime. Na manhã do dia seguinte, a suposta confissão de Jessie estava na capa do jornal mais importante da região, o Commercial Appeal,  de Memphis.

Warren D. Holmes, expert em técnicas de interrogatório policial, disse no documentário Paradise Lost (1996): “se ele é um dos assassinos, como ele não lembra do tempo? Por que ele não lembra que objeto amarraram as crianças?”. Jessie disse na “confissão” que havia amarrado as crianças com cordas, mas o detetive Gary Gitchell o corrigiu e disse que as crianças haviam sido amarradas com cadarços. Jessie, então, reformulou a frase e disse que as crianças haviam sido amarradas com cadarços.  
 
— O caderno de Damien, que tinha desenhos, letras de músicas e frases de filmes, foi usado como evidência de que ele era satanista. O diário de Jason, onde ele dizia que ele era a favor de que a mulher decidisse se queria ter um filho ou não, também foi usado. Os livros do Stephen King, encontrados na casa de Damien, também foram usados como evidência. O fato deles usarem roupas pretas, camisetas de bandas, como Metallica, entre outras, e possuírem desenhos de capas dos discos em suas casas, também se transformaram em pontos contra eles.

Michael Roy Clarkson, que fez um testemunho no julgamento, de que Jason Baldwin teria confessado para ele o crime enquanto estavam juntos no reformatório, era um usuário de drogas pesadas. E estava usando LSD na época. Os promotores sabiam. Um dos advogados de Jason recebeu uma ligação de Danny Williams, que trabalhava no departamento juvenil, mais especificamente na área de álcool e drogas. Ele os alertou. A defesa de Jason tentou barrar a presença de Clarkson. Eles não conseguiram. No documentário West of Memphis, Clarkson admitiu que havia mentido no tribunal. Que Jason era muito quieto e reservado. E que a promotoria sabia que ele usava LSD e cheirava gasolina. Joyce Culton, então Diretora de Detenção Juvenil, que estava cuidando de Baldwin e Clarkson, disse que Michael tinha que cumprir vários anos na penitenciária por invasão domiciliar. O promotor Brent Davis entrou em contato com ele e eles fizeram um acordo. Em troca desse favor, ele não foi para a prisão. Joyce ficou tão revoltada que procurou Larry Emison, então xerife do Condado de Craighead. Ela disse: Larry, esses meninos não são culpados. Ele respondeu: Joyce, é muito simples. O Condado de Crittenden errou feio e agora, nós temos que consertar.

—A polícia achou uma faca no lago Lakeshore, atrás da casa de Jason. As buscas demoraram pouco mais de meia hora. O local era imenso e a água é turva por causa dos resíduos. Parecia até que o mergulhador sabia exatamente onde tinha que procurar. Misteriosamente, alguém chamou a imprensa para registrar a busca.
 

 

 

— Os promotores chamaram crianças como testemunhas no julgamento. Elas disseram que ouviram Damien dizer que haviam matado as crianças em um jogo de softball. Christy, uma das meninas, disse que nem lembrava o que ele havia dito antes de afirmar que havia matado os garotinhos. Nem o que teria dito depois. A menina afirmou depois que sequer estava perto de Echols durante o jogo. O promotor Davis então questionou: ele estava gritando? Christy apenas respondeu: eu não sei.

Regina Meek, policial de West Memphis, não fez nenhum tipo de relatório sobre o incidente que atendeu no restaurante Mr Bojangles. Durante o julgamento, Robin Wadley, advogado de Jason, questionou: você estava procurando por alguns garotos e soube sobre esse homem ensanguentado, não passou pela sua cabeça que algo poderia estar acontecendo? Ela respondeu que eram diferentes áreas da cidade e não fez nenhum tipo de conexão. Então Wadley mostrou que a distância entre o local onde eles estavam procurando pelos três meninos e o restaurante era bem pequena. Ela, misteriosamente, concordou com isso. Só para constar, a distância é de aproximadamente um quilômetro e setecentos metros.

Mark Byers deu uma faca para a equipe do documentário Paradise Lost e eles perceberam que havia uma gota de sangue nela. Eles entregaram para a polícia e descobriram que na faca havia um tipo de sangue que batia com Chris Byers, e também com Mark Byers. Podia indicar que Chris era filho legítimo de Byers. As pessoas logo acharam que o padrasto do garoto estava tentando se livrar de uma evidência, o que era possível naquele contexto, visto que somente seu enteado fora mutilado. Ele conhecia a área de Robin Hood Hills muito bem. Era joalheiro, tinha bastante precisão. Mas a falta de uma investigação decente da polícia, por eles não terem checado os álibis de Byers e sequer ido atrás dos outros pais, fizeram que Byers fosse perseguido por muito tempo pela opinião pública, sendo visto como um dos principais suspeitos. 

— O agente da condicional Steve Jones visitou Damien e contou detalhes sobre o caso. Quando Damien foi interrogado pelos policiais, ele sabia alguns detalhes que só a polícia sabia e isso ajudou a piorar sua situação. Quando ele disse que fora Jones que havia contado para ele, os policiais fizeram pouco caso e disseram que era mentira, que somente quem participou do crime saberia aquilo. Por falar em Jones, foi ele que encontrou as crianças. Os policiais já haviam desistido de encontrar os meninos naquela área e estavam indo para outra região. O agente decidiu dar uma olhada sozinho no córrego. Centenas de pessoas vasculharam a área toda a noite e pela manhã e não acharam absolutamente nada. Jones, por sorte, encontrou o sapato boiando e chamou os policiais.

— O caso do West Memphis 3 foi a despedida de Gary Gitchell, um dos detetives do caso, da corporação policial. Ele tornou-se investigador privado de uma companhia de seguros de Memphis após o julgamento. Ele sempre disse estar certo sobre a condenação dos três jovens. Que nunca teve dúvidas. Quando Gitchell foi questionado sobre o caso novamente em 2009, quando Terry Hobbs processou uma das integrantes do Dixie Chicks, ele disse que não iria fornecer detalhes sobre não ter interrogado Hobbs na época, pois isso poderia beneficiar os acusados. 
 
— Em casos de assassinato de crianças, a polícia deve sempre investigar primeiro seus pais e parentes próximos. A polícia de West Memphis ficou andando em círculos e sequer falou com alguns vizinhos das vítimas e pessoas próximas.

Jason Baldwin foi acusado pelo crime, basicamente, por estar sempre com Damien Echols. Na época, os policiais disseram ter encontrado na cena do crime fibras de tecido, as quais eram compatíveis com as de um roupão usado pela mãe de Jason. E que também poderiam ser encontradas em várias outras roupas de departamento.

Jessie estava em Dyess, uma outra cidade do Arkansas, na noite do crime, junto com um grupo de amigos, em um campeonato de luta. Havia registro de sua presença no ginásio. A polícia ignorou totalmente seu álibi. Ele repetiu várias vezes essa informação durante a sua suposta “confissão”, mas os policiais só aceitavam que ele reproduzisse aquilo eles queriam para a gravação. Os jurados também não se importaram com essa informação. Damien visitou a casa de amigos da família no horário do crime e foi visto, inclusive, pela esposa de um dos policiais que participou da busca das crianças. Durante a noite, falou com amigas no telefone. Jason limpou o pátio do seu tio, jogou videogame no Walmart e depois foi para casa. Nenhum dos jovens foi visto nas cercanias da Robin Hood Hills naquele período. Narlene Hollingsworth, tia da namorada de Damien na época, disse que viu a jovem e Echols caminhando na estrada naquela noite. Mas Dixie Hufford, que trabalhava na lavanderia onde Narlene supostamente estava, disse que isso não aconteceu. L.G, por sua vez, sobrinho de Narlene, apareceu naquela noite na lavanderia e estava em um carro diferente. Ele sempre aparecia com o amigo Richard, mas estava dessa vez em um carro branco e pequeno. Os funcionários do Blue Beacon disseram que um homem foi procurar pelo seu filho no pátio do lava-jato, aproximadamente dez da noite, em um carro Toyota branco, que bate com essa descrição. A única pessoa que dirigia um carro como esse era Terry Hobbs. O cunhado de Narlene, John Hollingsworth, disse que ela só estava interessada no dinheiro que receberia de recompensa. Por isso acusou Damien. E provavelmente também o fez para proteger o seu sobrinho, L.G.

Mike Allen, que era detetive do caso, tornou-se xerife de West Memphis e foi responsável pela entrevista de Terry Hobbs em 2007, quando ele finalmente foi entrevistado sobre o crime. Foi uma conversa entre bons amigos. Finalizado o bate-papo, Allen disse que Hobbs nunca será uma pessoa de interesse para a polícia de West Memphis. Naquele ano, um estudo de DNA revelou que um dos fios de cabelo encontrados em um dos nós usados para imobilizar uma das vítimas bate com o DNA de Terry Hobbs. O estado do Arkansas nunca quis reabrir o caso para checar essa informação. O trio de West Memphis saiu da cadeia em 2011, com um acordo chamado Alford, o qual permite que eles possam declarar a sua inocência, mas, ao mesmo tempo, exige que eles se declarem culpados pelo crime. Jason Baldwin não queria aceitar. Ele queria esperar pela possibilidade de um novo julgamento. Só o fez, pois Damien Echols estava no Corredor da Morte.

Esse foi um pequeno resumo das incongruências da investigação. Existem muitas outras. Como eu disse, esse caso ainda atrai muita atenção por causa dessas lacunas, da grande quantidade de perguntas sem resposta. Mas volto a repetir o que eu disse no começo. O que aconteceu em West Memphis é algo bizarro, perverso. Eu realmente espero que, em algum momento, algum dos acusados leve esse processo para uma corte internacional. Eles nunca vão conseguir obter algum tipo de justiça dentro dos EUA. Isso está muito claro. Nunca vão conseguir ser exonerados e vão ter que carregar o estigma de serem assassinos de crianças pelo resto da vida. É um fardo muito grande para uma pessoa inocente. O que fizeram contra as famílias das crianças assassinadas e esses três jovens, acusados pelo crime, foi um negócio surreal, uma violação de direitos humanos. Ao meu ver, a investigação feita pela polícia serviu apenas para encobrir possíveis suspeitos e criar provas infundadas contra os três adolescentes. Pois eles não tinham absolutamente NADA contra eles. Eles eram os esquisitinhos da cidade. E não foram os únicos jovens "estranhos" que foram investigados pela polícia. Eu lembro de um relato, em um grupo sobre o crime, onde uma mãe afirmou que seu filho, que tinha a mesma idade de Damien na época, e gostava de se vestir com camisetas de bandas, e que vivia em Marion (cidade vizinha de West Memphis), também foi investigado pela polícia. Ela foi bem clara: "meu filho só foi liberado por sorte. Ele havia viajado para a Califórnia na semana anterior e não estava na cidade no dia do crime. Mesmo alegando isso, foi mantido na delegacia, sob forte interrogatório, até que os policiais conseguiram a prova de que ele estava falando a verdade". Foi pura sorte, pois álibis não eram importantes nessa investigação. Depois que a opinião pública decidiu que os três meninos eram culpados, eles só queriam jogá-los na cadeia rapidamente. A solução rápida do caso também tirava West Memphis dos holofotes. Como a polícia estava sendo investigada por corrupção pelo estado, eles precisavam se livrar rápido da situação. Tanto que recusaram ajuda do FBI e da polícia estadual. O que será que esses dois órgãos poderiam descobrir, caso tivessem ido ajudar no caso, não é mesmo?
 
Depois de um mês andando em círculos, magicamente, a polícia de West Memphis apareceu com esses três adolescentes como culpados. Eles não tiveram chance nenhuma de escapar dessa condenação. Era uma força-tarefa inteira, que possuía um histórico de corrupção, contra três adolescentes e suas famílias muito humildes. Qualquer pessoa que acompanha esse caso, que tem um pouco de discernimento, é capaz de perceber isso. Foram jogos de poder mesmo. Pegaram os três meninos pobres da cidade para pagar o preço, se aproveitaram do satanic panic da época para embasar isso e eles passaram 18 anos na cadeia. Damien quase foi assassinado no corredor da morte. O grande erro daqueles que incriminaram os três adolescentes, porém, foi acreditar que ninguém se importaria com eles, que provavelmente ficariam esquecidos em uma prisão, como tantos outros. Mas a sorte deles mudou radicalmente, graças ao documentário Paradise Lost (1996). Muita gente assistiu o filme e percebeu que alguma coisa errada havia acontecido no Arkansas. Eles receberam apoio e conseguiram sair da prisão em 2011, depois de uma jornada infinita pelo sistema jurídico do estado.
 
Nenhum lugar dos Estados Unidos permitiria que três pessoas, condenadas pelo assassinato brutal de três crianças, saíssem livres da cadeia, sem cumprir toda a pena. Eles fizeram isso para evitar um julgamento justo, que garantiria a inocência deles, e uma indenização milionária.  O Estado do Arkansas sempre soube que eles eram inocentes. E esse caso só não é reaberto, pois existe muita sujeira embaixo do tapete deles. Preferiram propor aquele acordo ridículo, onde os três acusados tiveram que afirmar que cometeram um crime, sendo que eles são inocentes, do que admitir, humildemente, que erraram com esses três adolescentes em 1993. Mas principalmente! O estado do Arkansas precisa confessar que a investigação policial da morte de Christopher Byers, Michael Moore e Stevie Branch não foi conduzida com lisura profissional. E isso não sou eu que estou dizendo. Os fatos e a história não mentem! Mas para fazer isso, eles teriam que manchar a reputação de muita gente "importante" do condado. Muita gente lucrou com esse caso. Teve juiz que virou senador. Policial que deixou de ser investigado. Advogado que virou promotor. Carreiras alavancadas por esse julgamento. Enquanto os três adolescentes mofavam na prisão por um crime que não haviam cometido, aqueles que os colocaram na cadeia tinham mais poder nas mãos a cada dia. E a luta contra eles se tornava, ano após ano, mais injusta. E por isso que eu acho improvável que esse caso seja reaberto. Ninguém vai admitir o erro, ainda mais quando existem tantos interesses em jogo e tantos nomes que podem ser colocados na lama.


Fontes usadas nesse artigo:

Nó do Diabo - Mara Leveritt;

Dark Spell - Mara Leveritt;

Paradise Lost (Trilogia de documentários);

West of Memphis (Documentário/2012);

JivePuppi - (site);

 Callahan  - (site)


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