[Especial Robert Englund]: Devorado Vivo (Eaten Alive) — Direção: Tobe Hooper


 



Eu fiquei bastante surpresa com a película. Ela contrariou todas as minhas expectativas. Estamos falando de um filme sobre um crocodilo gigante e dirigido por Tobe Hooper. Pensando no currículo do cineasta, ele havia dirigido dois anos antes o complexo O Massacre da Serra Elétrica, um longa cheio de cenas viscerais. Então, basicamente, eu imaginava que esse filme fosse um show espetacular de gore. Mas não foi o que eu encontrei. Talvez o cineasta quisesse uma censura mais branda para essa película, um apelo mais comercial, já que o anterior chegou a ser proibido em vários lugares do mundo.  Apesar do tom mais light, não se engane, a produção não decepciona nenhum fã de terror e é imperdível. É uma proposta bem diferenciada. Tobe fez uma mescla muito bacana de elementos de slasher e de terror natural, algo que não era comum na época. Hooper nunca teve medo de fazer experimentações cinematográficas.
 

 


O longa conta a história de Judd (Neville Brand), um cidadão que mantém um hotel caindo aos pedaços em uma região pantanosa do Texas. Ele possui um animal de estimação bem peculiar: um crocodilo gigantesco. E sabe como ele alimenta o bichinho? Com a carne dos hóspedes da espelunca. 
 

 


Eu não fiquei muito impressionada pela narrativa do filme em si. Até, inclusive, percebi que o diretor emula muita coisa do longa anterior. Talvez tenha tido essa sensação, pois a final girl da película também é Marilyn Burns, que interpretou Sally em O Massacre da Serra Elétrica. Eu achei, inclusive, muito sádico que a atriz esteja novamente nessa posição de vítima torturada, cambaleante e ensanguentada. Na minha opinião, o ponto alto do filme é,  como disse anteriormente, essa mistura de elementos do slasher, que não era um gênero estabilizado nos EUA (e que só ganha força depois de Halloween), com esse icônico crocodilo gigante, o qual acaba virando um coadjuvante diante das loucuras promovidas por Judd e sua foice. O animal, inclusive, não é o melhor boneco já confeccionado para um filme, mas esse longa foi muito significativo. Mesmo com os problemas técnicos tão aparentes, ele abriu portas para que outros longa-metragens fossem feitos anos mais tarde. Se hoje temos super crocodilos em CGI, assustadores e perfeitos, isso se deve ao trabalho duro da equipe do Hooper que, mesmo com poucos recursos, ousou tentar fazer isso em 1976. É muito legal ver toda essa experimentação na tela. E a união do crocodilo ao personagem do ator Neville Brand foi uma sacada perfeita. O dono do hotel maluco e assassino usa o animal como pretexto para saciar a própria vontade de matar. Judd, por si só, é um personagem muito estranho. Ele é viciado em drogas, possui uma bandeira do Partido Nazista no quarto. É um homem reacionário que persegue as prostitutas da região. Não gosta de mulheres. É bem o estereótipo do monstro do slasher. É um homem reprimido sexualmente, solitário, o qual, junto com seu animal de estimação, vira, inconscientemente, um "guardião da moralidade local".  O Tobe Hooper tinha muita visão para criar esses personagens. Você percebe que nada ali é gratuito. Existe toda uma construção psicológica por trás do que ele apresenta na tela.  Por isso que, quando as pessoas dizem que o slasher começou de fato com Halloween (1978), eu sou a primeira pessoa a divergir sobre isso. Quem criou a maioria dos elementos do subgênero foi o Tobe Hooper com O Massacre da Serra Elétrica (1974). Eaten Alive é uma continuação desses experimentos que ele estava fazendo. Aspectos técnicos, psicológicos, questão de narrativa, construção de personagem. Tanto que, é fato consumado que, muito antes de existir Laurie Strode e toda essa conversa sobre heroínas de filmes slasher, já existia a rainha soberana Sally Hardesty.
 

 

Voltando para a película, existem outros grandes momentos. Robert Englund interpreta Buck, um encrenqueiro cafajeste da cidade, o qual, em quase todas as suas aparições no longa, está envolvido em atividades sexuais. A sua fala inicial, inclusive, “Name's Buck... and I'm rarin' to fuck", foi usada por Quentin Tarantino em Kill Bill. Ele divide algumas cenas com Janus Blythe, atriz que havia trabalhado anteriormente com Wes Craven no longa Quadrilha de Sádicos (1972). Englund, em entrevista para os extras do DVD do filme, disse que participar do longa, a princípio, foi meio intimidador por causa da fama de Tobe Hooper. E que, como ele sempre foi uma pessoa que gostou de conviver mais com os atores da antiga Hollywood do que com os astros mais jovens, trabalhar em Eaten Alive foi uma experiência bacana, pois ele conseguiu atuar com grandes nomes, como Stuart Whitman, Carolyn Jones (famosa por dar vida para Morticia Adams na série The Addams Family), e Mel Ferrer. Esse é outro ponto muito legal. A participação de Carolyn como a cafetina Miss Hattie.
 


 


A fotografia do filme também é bem interessante. Os tons avermelhados noturnos, principalmente nos ambientes externos, combinados com aquela névoa artificial densa, dão um ar ainda mais intimidador para aquele hotel decrépito. Parece que há no ar uma mistura de terra e sangue. É um negócio que traz uma estranheza para o ambiente, um tom ainda mais angustiante para o longa.
 

 


Agora, o ponto mais negativo da película: o diretor realmente precisava de cenas de topless de 90% do elenco feminino, muitas vezes, em algumas cenas que não havia razão nenhuma para isso acontecer? Quando a personagem Libby, vivida por Crystin Sinclair, entra no quarto e começa a se despir, sendo que, em uma fração de segundos, ela terá que se vestir novamente para resgatar a personagem do quarto ao lado, eu fiquei sem acreditar que aquilo estava acontecendo. É uma fetichização desnecessária do corpo feminino, a qual não vai acrescentar em nada para a narrativa. E não é a única cena problemática nesse sentido no filme. 
 

 
 
Voltando ao tópico Marilyn Burns. Ela era uma atriz incrível. Honestamente! O diretor Tobe Hooper tinha todo o direito de repetir a exitosa parceria dos dois. Mas ele apenas mudou o monstro e o contexto para colocá-la na mesma situação em que ela se encontrava no longa anterior. No cinema de Hooper, o destino de Marilyn era sempre ser capturada por alguém. Então ela conseguia escapar, era agredida, despencava de algum lugar alto. Levantava. E caia, e caia de novo. Cambaleava, levantava finalmente e, muito ferida, cheia de sangue, salvava o dia ou a própria vida. Será que ela não tinha talento para encarar outras possibilidades? Definitivamente tinha.
 






 

Devorado Vivo (Eaten Alive)
Ano: 1976
Direção: Tobe Hooper

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