
[Especial Robert Englund] Tá todo mundo mal na Rua Elm: Os Horrores da vida adulta e o fim do American Dream
Uma coisa que sempre me incomodou nos filmes de terror dos anos oitenta: o fato de que a maioria dos adultos das películas são sempre pessoas extremamente negligentes. Sério! Nós adoramos culpar os monstros dos filmes pelo destino trágico dos jovens — ou até mesmo as decisões equivocadas dos próprios adolescentes. Mas uma análise, mesmo que breve, de qualquer personagem que tenha adentrado o mundo adulto nos filmes slasher é implacável. Estamos diante de pais omissos ou muito opressores, policiais despreparados, os quais se mostram incapazes de fornecer qualquer tipo de proteção ou auxílio emocional para aqueles que estão sendo caçados implacavelmente dentro da tela.
E na franquia A Hora do Pesadelo isso parece ser ainda mais gritante. Eu assisti os longa-metragens centenas de vezes. Freddy Krueger é, definitivamente, o meu vilão favorito. O personagem, criado por Wes Craven, é um serial killer que, apesar de dividir espaço com tantos outros assassinos criados na década de oitenta, possui uma personalidade diferenciada, e uma forma bem peculiar de eliminar suas vítimas. Ele habita o mundo dos sonhos. Quem morre no pesadelo acaba perdendo a vida no mundo real. É uma premissa muito interessante.
A Hora do Pesadelo (1984)
O longa se concentra em quatro personagens. Tina Grey (Amanda Wyss), Nancy Thompson (Heather Langenkamp), Rod Lane (Jsu Garcia) e Glen Lantz (Johnny Deep). São quatro amigos que formam dois casais. Tina e Nancy são filhas de pais divorciados. Rod e Glen ainda possuem uma família estruturada. A sequência inicial do filme mostra Tina sendo atacada pelo monstro e acordando aterrorizada, com a camisola rasgada. Sua mãe vai conferir o que está acontecendo e, mesmo vendo a roupa da menina toda cortada, ela vê a cena e age com desdém, como se fosse a coisa mais natural do mundo. Apenas pede que ela corte as unhas ou pare de ter esse tipo de sonho. Logo o namorado da mãe da adolescente aparece na cena e pede que ela volte para o quarto. No dia seguinte, como é algo comum, a mãe da garota a abandona em casa e viaja para Las Vegas com o parceiro. Como os sonhos estão cada vez mais intensos, Tina pede que Nancy e Glen fiquem com ela durante a noite. Enquanto estão lá, o namorado de Tina, Rod, se junta ao grupo de forma inesperada. Eles têm uma relação sexual e a jovem morre ao pegar no sono, de forma brutal.
Só nesse ínterim, temos uma jovem de 15 anos com um histórico de pânico noturno, sendo totalmente negligenciada pela mãe, que ignora possíveis intempéries e perigos que ela possa enfrentar ao ficar sozinha na casa da família. A genitora viaja com o namorado para uma cidade que fica do outro lado do país. Springwood, onde a narrativa se desenvolve, fica em Ohio, no centro-leste dos EUA. Las Vegas está localizada na região oeste.
Seu pai, o policial Donald (John Saxon), mesmo acompanhando todas as mortes dos amigos da menina, ignora totalmente os clamores de ajuda da adolescente. Os pais de Nancy agem dessa forma, muito provavelmente, porque possuem um "esqueleto no armário" gigantesco: eles ajudaram a matar o zelador Freddy Krueger, incendiando-o vivo. Quando Nancy começa a falar sobre Freddy Krueger e traz seu chapéu do mundo dos sonhos, seus pais sofrem um duro golpe e entram em um frenesi para impedir que a garota descubra mais sobre o "segredo de família".
Antes do episódio na clínica, os pais de Nancy ignoravam toda a situação, pois sabiam o que havia ocorrido com Freddy. No momento em que ela traz o chapéu para o mundo real, tudo muda de figura. É interessante observar que o vício em álcool de Marge também é um sintoma do assassinato praticado pelos pais da Rua Elm. É a maneira que ela encontrou para lidar com o que fez no passado.
Glen é o filhinho da mamãe, totalmente protegido pelos pais. Até quando supostamente vai visitar o primo, ele precisa ligar para a sua genitora para provar que está no lugar. Tanto que ele sempre leva consigo uma fita cassete com efeitos sonoros para simular que está nas cercanias do aeroporto, local onde seus parentes vivem. Ele namora com Nancy e, quando a jovem começa a apresentar um comportamento errático, seu pai acha que ele deve terminar o namoro com ela. O mais irônico de toda essa história é que Glen morre justamente dentro de casa, na segurança do lar, enquanto seus pais ainda estão acordados.
A obsessão por segurança de Marge também acaba sendo a sua ruína. Nancy consegue trazer Freddy para o mundo real e promove uma verdadeira batalha campal contra o serial killer dentro da residência. Como os policiais ignoram as súplicas da adolescente, que pede incessantemente que os outros oficiais chamem por seu pai, Krueger vai até o quarto da mãe de Nancy e a assassina.
Para os pesquisadores Jay Daniel Thompson e Erin Reardon, a própria transformação de Nancy em uma heroína feroz pode ser explicada pela hostilidade que ela encontra no mundo adulto. Ela se transforma na figura materna que nunca teve. Como os adultos falharam em protegê-la, ela se arma até os dentes para essa missão. Ela sabe que só pode contar consigo mesma.
Nancy se torna na mãe que avisa para os jovens do bairro sobre o perigo que eles estão enfrentando, confortando-os (particularmente Rod, cujos gritos de inocência são ignorados). Nancy também se torna a durona defensora da justiça, que pune o monstro (de um modo que o seu pai policial não pode, ou não fará). Assim, Nancy passa a incorporar ambos, os papéis parentais de gêneros distintos; a família nuclear é, até certo ponto, restaurada em seu próprio ser.[1]
A Hora do Pesadelo II
A Hora do Pesadelo III
Os pais dos garotos não são muito diferentes. A mãe de Kristen Parker (Patricia Arquette), Elaine (Brooke Bundy), faz pouco caso da saúde mental da filha. Cuidando da menina sozinha desde a morte de seu marido, a matriarca arrogante prefere gastar o seu tempo em festas da alta sociedade e em encontros amorosos. Ela sempre culpa Kristen por não ter sorte em obter um novo relacionamento. Quando Nancy vai até a sua casa para conversar sobre a garota, Elaine faz pouco caso e afirma que Kristen só tentou se matar, pois estava procurando por atenção. Antes de Freddy cortar o pulso da adolescente, ela implora para que sua mãe ficasse ao seu lado. Kristen estava com medo de dormir. Tinha a intuição de que algo errado iria acontecer. Elaine preferiu ir para a sala de estar com o seu convidado.
A maior parte das mortes no hospital Westin Hills poderia ser evitada se, basicamente, os adultos escutassem aqueles jovens. Mas todos estavam muito ocupados em provar que estavam certos. Ou mergulhados em conflitos internos, como no caso da mãe de Kristen, que claramente via a filha como uma espécie de "peso". Kristen sempre teve uma relação melhor com o seu pai e, depois da morte dele, o seu relacionamento afetivo com sua mãe piorou significativamente.
A Hora do Pesadelo IV e V
Pesadelo Final: A Morte de Freddy
Os adolescentes que estão sob a supervisão de Maggie (Lisa Zane) passaram por poucas e boas. John (Shon Greenblatt) chegou na instituição em estado paranoico, evitando dormir, e sem conseguir lembrar do próprio nome, nem sua procedência. Tracy (Lezlie Deane) é uma jovem que fora abusada sexualmente pelo próprio pai. Carlos (Ricky Dean Logan) usa um aparelho de surdez, pois sua mãe o torturava usando cotonetes. Spencer (Breckin Meyer), por sua vez, é um jovem rico, negligenciado pelo pai. Quando ele começa a usar drogas e apresentar um comportamento errático, tentando chamar a atenção de seus familiares, seu pai o coloca nesse reformatório. Freddy Krueger, é claro, faz a festa nesse contexto. Ele apenas coloca fogo na grama seca.
Novo Pesadelo (1994)
Sabe o que há de mais irônico nos adultos de Springwood? Eles tentaram eliminar a ameaça representada por Freddy Krueger — um homem que abusou e assassinou várias crianças — e, ao buscarem vingança, acabaram transformando-o em algo ainda mais poderoso. Muitos desses adultos tiveram suas vidas destruídas por não conseguirem lidar com esse "pequeno segredo". Tornaram-se pais ausentes, negligentes ou emocionalmente danificados, afetando justamente os filhos que desejavam proteger. Na tentativa de salvá-los do mal, acabaram, de certa forma, se tornando semelhantes ao próprio mal que queriam combater. O filósofo Friedrich Nietzsche resume bem toda essa situação com uma frase: "Aquele que luta com monstros deve garantir que, no processo, não se torne ele próprio um monstro. E se você olhar o suficiente para um abismo, o abismo voltará o olhar para você".
Os crimes cometidos por Krueger, quando ainda era apenas o zelador da escola, deixaram marcas profundas na comunidade de Springwood. Além das dificuldades do dia a dia, os adultos carregam o peso de um assassinato cometido com as próprias mãos. A justiça falhou ao libertar Freddy, e a população, em desespero, tomou para si a responsabilidade de puni-lo. Mas, mesmo assim, os jovens continuaram a morrer. O crime cometido contra Freddy foi, ao fim, em vão. E não há lógica ou explicação racional para seu retorno.
Curiosamente, apenas os adolescentes sonham com ele. Os adultos não o veem, não o enfrentam, e, por isso, quando os filhos dizem que têm medo de dormir, os pais os tranquilizam, pedindo paciência e dizendo que nada de ruim pode acontecer — afinal, acreditam que eliminaram o mal com as próprias mãos. Mas os filhos continuam a morrer. E o ciclo de culpa apenas se aprofunda. É impossível protegê-los.
A situação só muda no filme Pesadelo Final (1991), quando não há mais jovens ou crianças em Springwood. A cidade está povoada apenas por adultos emocionalmente devastados, assombrados pelos fantasmas de todas as crianças que partiram. Eles passam a admitir a existência de Freddy. Antes, ele era apenas um delírio juvenil. Em uma das cenas mais marcantes, uma moradora aperta as bochechas de três adolescentes de um reformatório e diz, com ternura desesperada: “Dessa vez vai ser diferente. Eu não vou deixar que ele encontre vocês.”
“E os sonhos em ambos criticam duramente o fracasso dos pais, e de toda a ordem social adulta em geral, em proteger os adolescentes de males, injustiças e ameaças ao seu crescente senso de integridade física e emocional”.
A franquia A Hora do Pesadelo é sobre isso. Apesar das fachadas belíssimas das casas, dentro dessas residências, o sonho americano está desfeito. E, para os jovens, só existe um pesadelo sem fim. Acordados, precisam lidar com pais problemáticos e com a decadência da sociedade estadunidense; à noite, enfrentam Freddy Krueger.
No livro Fique por dentro dos seus sonhos, as autoras Maeve Ennis e Jennifer Parker afirmam que Freddy Krueger representa o medo natural que os jovens têm de crescer. Mas, em Springwood, há um fator ainda mais profundo: os adolescentes não querem se tornar iguais aos adultos que os cercam — mas isso parece inevitável.
Freddy Krueger não é apenas o monstro da cidade. Ele é, na verdade, uma projeção da monstruosidade dos adultos de Springwood — uma criação coletiva. Ele personifica tudo aquilo que os adolescentes temem dentro de suas casas. E representa também uma analogia perfeita dos Estados Unidos dos anos 1980, uma época marcada por um aumento expressivo nos índices de divórcio e pelo crescimento alarmante do uso de drogas entre os jovens. O “sonho americano” já mostrava uma grande rachadura.
O futuro da juventude estava em risco. Em 1984, Freddy Krueger marca o início desse pesadelo americano. Após a Guerra do Vietnã, havia pouco espaço para sonhos juvenis — apenas a crueza do mundo real.