O horror de Maya Deren

 


 Eu gosto muito de David Lynch. Ele é um grande exemplo de diretor que adora a desconstrução narrativa e que brinca com os elementos do terror, suspense e fantasia, criando histórias excêntricas, de leitura complexa, mas fascinantes para o espectador. E por trás desse universo tão imaginativo, há uma série de influências que alimentam sua genialidade.

Uma dessas fontes é Maya Deren, uma das pioneiras do cinema experimental. Para mostrar o quanto Lynch é fã declarado da diretora — e como sua obra dialoga diretamente com a dela — o canal Lost in Movies produziu um ensaio comparativo entre a filmografia do diretor e o média-metragem mais famoso de Deren, Tramas do Entardecer (Meshes of the Afternoon). No vídeo, é possível perceber como Lynch bebeu dessa fonte: ele reproduz o estilo de filmar de Deren, e diversos elementos presentes no curta ressurgem em momentos-chave de sua filmografia. A influência é incontestável!

É até frustrante notar que elementos muitas vezes considerados originais nos longas de Lynch são, na verdade, uma reciclagem do trabalho de uma cineasta que não recebeu o mesmo reconhecimento ou popularidade. Por isso, o Mulheres Fantásticas do Horror de hoje é dedicado a Maya Deren, diretora, coreógrafa, escritora, teórica, editora, dançarina, fotógrafa e roteirista.




Biografia


Eleanora Derenkowsky nasceu em Kiev, em 1917. De origem judaica, emigrou com a família para os Estados Unidos, fugindo da perseguição religiosa. Anos mais tarde, em 1943, adotaria o nome artístico pelo qual ficou mundialmente conhecida: Maya Deren.

Instalada no estado de Nova York, estudou Jornalismo e Ciência Política na Universidade de Syracuse e na NYU. Na Smith College, concluiu o mestrado em Literatura Inglesa. Sua transição para o cinema ocorreu após conhecer o segundo marido, Alexander Hammid. Juntos, em 1943, realizaram Tramas do Entardecer (Meshes of the Afternoon), um média-metragem que mesclava experimentalismo, dança e suspense. A obra, premiada em Cannes na categoria experimental, é considerada sua grande obra-prima. Maya e Alexander exploravam o onírico através da montagem, da luz e da gestualidade. Anos depois, o crítico de dança John Martin batizaria o estilo de Deren como choreocinema, pois via em seus filmes uma fusão única entre o movimento corporal e a técnica cinematográfica.

O cinema de Maya Deren

Maya realmente orquestrava um balé em suas películas. Seus personagens não falavam: eram puro gesto, explorando os limites entre a realidade e o sonho. Esse universo, aparentemente sem sentido, transformava-se em território fértil para o experimentalismo. Deren tinha a capacidade extraordinária de transpor seus devaneios noturnos para a tela, criando narrativas surrealistas que influenciariam não apenas Lynch, mas também inúmeros outros diretores ligados ao cinema fantástico.

Sua linguagem, tanto técnica quanto narrativa, estava muito à frente do tempo. Um exemplo: muito antes de Freddy Krueger aterrorizar jovens através dos sonhos em A Nightmare on Elm Street, Deren já mostrava, em Meshes of the Afternoon, uma mulher que morria após um pesadelo.

Haiti, rituais e documentário

Paralelamente ao cinema, Maya trabalhou como assistente da dançarina e antropóloga Katherine Dunham, que pesquisava cerimônias de vodu haitianas. Fascinada pelo tema, escreveu o ensaio Religious Possession in Dancing. Mais tarde, ao ganhar uma bolsa do Instituto Guggenheim, viajou ao Haiti para filmar e estudar os rituais locais, interessando-se especialmente pela gestualidade dos possuídos, pela atmosfera ritualística e pela potência imagética das cerimônias. Dessa experiência nasceram dois trabalhos fundamentais: o livro Divine Horsemen: The Living Gods of Haiti e o filme homônimo, finalizado apenas em 1981, vinte anos após sua morte. Elementos dessas vivências também aparecem de forma ficcional em The Witch’s Cradle (1943), um de seus projetos inacabados.

 Legado

Ao longo da carreira, Maya Deren dirigiu doze filmes, sendo três deles não concluídos. Começou pela ficção, mas nos últimos anos de sua vida voltou-se ao documentário, onde explorou com profundidade os rituais religiosos haitianos. Morreu jovem, em 1961, aos 44 anos, vítima de um derrame cerebral. Apesar da vida curta, Deren deixou uma marca profunda no cinema. Sua obra experimental abriu caminhos, expandiu limites e tornou-se referência obrigatória para todos os cineastas que se aventuram pela linguagem dos sonhos, da dança e do imaginário. Maya Deren não foi apenas uma diretora: foi uma inventora de vários universos artísticos.


 

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