Janghwa Hongryeon Jeon: a gênese do horror sul-coreano


 






A Coreia do Sul está muito em evidência nos últimos anos por causa do K-POP e do audiovisual. A Hallyu, a chamada onda coreana, tomou conta do mundo a partir dos anos 90. Tudo começou com a popularização dos k-dramas, as novelas do país, que começaram a se difundir primeiramente pela China e demais países asiáticos. Logo, essas produções passaram a ganhar espaço também no lado ocidental do globo, assim como os filmes sul-coreanos

O cinema de horror da Coreia do Sul, entretanto, só começou a se tornar mais presente no ocidente a partir da década de 2000, concomitantemente com a explosão dos filmes splatter (chamados por alguns críticos de “torture porn”), produções usualmente marginalizadas por causa de seu conteúdo e que começaram a ganhar espaço nos cinemas de shopping. Como as películas asiáticas sempre foram conhecidas por seu conteúdo mais extremo, com as mudanças significativas da censura nos cinemas ocidentais, essas produções passaram a ganhar distribuição nas salas multiplex e no mercado de home vídeo.  

 


O primeiro filme coreano de horror que assisti foi Medo (A Tale of Two Sisters), lançado em 2003. Dirigido por Kim Jee-woon, um dos maiores nomes do audiovisual sul-coreano, o longa conta a história de Su-mi (Yum Jung-ah), uma jovem que passa algum tempo em uma instituição psiquiátrica e retorna para sua casa no interior. Chegando lá, ela finalmente se reúne com sua irmã, Su-yeon (Im Soo-jung), e se depara com uma nova realidade. Seu pai casou-se novamente e as duas jovens desenvolvem uma relação conflituosa com a madrasta. O filme é uma adaptação livre do conto Janghwa Hongryeon Jeon, o qual é muito popular no folclore coreano. Essa história, que começa a ser difundida no período da dinastia Joseon, tem a seguinte narrativa. Uma mulher sonha que um anjo a presenteia com uma flor e dez meses depois ela dá à luz para uma menina, a qual é batizada de Janghwa (Flor Rosa). Dois anos depois, o casal tem uma segunda filha, à qual é batizada de Hongryeon (Flor de Lótus). A mãe falece quando a criança mais nova completa cinco anos e o pai casa-se novamente. A madrasta é uma pessoa horrorosa e transforma a vida das duas meninas em um inferno. Algum tempo depois, ela concebe três meninos. Cada vez mais estabilizada ao lado do pai das duas jovens, a madrasta vai ficando cada dia mais agressiva, mas as duas garotas escondem esses maus-tratos de seu genitor.
 
Quando Janghwa finalmente atinge a idade de matrimônio, seu pai pede que a atual esposa possa ajudar a jovem a planejar seu casamento. Como a madrasta não queria gastar o dinheiro de seus filhos com a enteada, ela planeja algo terrível. Ela coloca um rato morto na cama da jovem. Na manhã seguinte, a madrasta chama seu marido até o quarto da garota, dizendo que teve um sonho muito estranho com Janghwa. Ela puxa as cobertas e há sangue por toda a parte, parecendo que a garota havia sofrido um aborto. Janghwa foge e a madrasta manda que seu filho mais velho a traga de volta. Ele acaba empurrando a jovem em um lago e ela morre afogada. Então acontece um plot twist. Logo em seguida, ele é atacado por um tigre e tem dois membros decepados, vindo a falecer. Hongryeon, a enteada mais nova, passa a ser perseguida pela madrasta, que desconta todo o ódio que sente pela morte de seu filho. Enlutada, a menina decide tirar sua própria vida e comete suicídio no mesmo lago onde a irmã mais velha faleceu. Depois desse acontecimento, um prefeito novo chega na cidade e é encontrado morto. Mais mortes misteriosas continuam acontecendo após esse fato. Um jovem assume a prefeitura e, em uma noite, recebe a visita dos espíritos das meninas. Aos prantos, a mais nova explica que sua irmã era inocente e foi morta por causa de um plano diabólico de sua madrasta. As mortes dos prefeitos anteriores foram uma forma de chamar atenção e conseguir que as pessoas soubessem da verdade. O prefeito faz aquilo que as jovens pediram e quando o pai das jovens examina o suposto feto mostrado pela madrasta, o homem descobre que tratava-se de um rato. A madrasta e seu outro filho foram condenados à morte. O pai das jovens casa-se novamente e, na noite do matrimônio, tem um sonho com as duas filhas falecidas. Elas afirmam que gostariam de retornar para o seu lado. Nove meses depois, sua nova esposa tem filhas gêmeas. Ele as batiza com os mesmos nomes das garotas, Jonghwa e Hongryeon.

Popular na literatura, o conto foi levado para o cinema pela primeira vez em 1924. E essa produção não é só importante por ser a primeira película de horror do país, mas também é um marco na Coreia por outra razão. Na época, a península coreana era unificada e estava sob o domínio japonês. Janghwa Hongryeon Jeon foi o primeiro filme concebido apenas por coreanos.

O conto ainda ganharia outras versões cinematográficas em 1936, 1956, 1962, 1972 e 2003. Em 2009, a história ganhou um remake estadunidense. Segundo os estudiosos Alison Pierce e Daniel Martin, autores do livro Korean Horror Cinema, esse filme pode ser categorizado como um exemplar do chamado wonhon, que são os longa-metragens estrelados por fantasmas vingativos que retornam de suas tumbas para proteger seus filhos ou para se vingar de seus assassinos. 

 

                                                  Versão de 1936

 

O primeiro ciclo (1924 – 1950)

As produções  de Janghwa Hongryeon Jeon de 1924 e 1936 fazem parte do que pode ser chamado de primeiro ciclo do horror sul-coreano, quando os longa-metragens possuíam a estrutura híbrida. Os filmes continham elementos de horror, mas eram predominantemente constituídos por outros gêneros. Como a Coreia estava dominada pelo Japão, não existia uma liberdade artística para os cineastas coreanos. Por tanto, é somente a partir da década de 50, na chamada época de ouro do audiovisual sul-coreano (que durou até os anos 60), que começam a surgir películas de suspense, como The Handmaid (Hanyeo/1960), considerada a precursora do subgênero no período moderno, e longa-metragens que abordam figuras do folclore e da literatura coreana. É nesse momento que o horror passa a ser explorado de fato.

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