Ruídos (Noise, 2024) — Dir: Kim Soo-jin



O cinema de horror sul-coreano costuma ser uma ferramenta muito eficaz para contornar o conservadorismo da sociedade acerca de algumas questões sociais, abrindo diálogo para tensões que permeiam o cotidiano. Em Ruídos (Noise, 2024), não é diferente.


Joo-hee (Han Su-A) vive sozinha em um apartamento e costuma ouvir barulhos insuportáveis vindos do andar de cima. Certo dia, ela desaparece misteriosamente, e sua irmã, Joo-young (Lee Sun-bin), retorna ao edifício para tentar encontrá-la. Chegando lá, passa a ser perseguida pelo vizinho do andar de baixo, que reclama insistentemente sobre barulhos contínuos vindos de seu apartamento, principalmente durante o período noturno. Só que a fonte do som não é sua casa. Ao investigar o sumiço da irmã, Joo-young descobre que muitas pessoas do prédio passaram pelo mesmo problema e também desapareceram. Ela só não enlouquece completamente porque é deficiente auditiva. Ter a opção de não ouvir aquilo que a cerca é vital para que ela mantenha a sanidade.


Eu achei muito interessante a forma como o diretor consegue transportar o espectador para dentro de uma ambientação sufocante. Você adentra junto com a personagem para o interior de um prédio deteriorado não apenas fisicamente, mas que também compromete a vida daqueles que ali habitam. Parece que o edifício e os habitantes se retroalimentam de uma energia caótica. É quase uma simbiose trágica entre a decadência estrutural da edificação e o grupo de pessoas que vive naquele ambiente barulhento.  

O longa é uma metáfora para muitos problemas que giram em torno da crise imobiliária vivenciada pela Coreia do Sul nos últimos anos. Os preços dos imóveis são exorbitantes e muitas pessoas não possuem condições de sobreviver nas grandes cidades. São obrigadas a viver em locais insalubres e, assim como os personagens, enfrentam um dos maiores problemas habitacionais atuais, o chamado cheung-gan so-eum (층간 소음), termo que define o barulho do andar de cima.

A Coreia é um país pequeno e, para contornar essa limitação de espaço, a maioria dos apartamentos são construídos com muita proximidade, principalmente os goshiwon, os microapartamentos do tamanho de um quarto. Essa aproximação gera uma série de conflitos entre moradores, alguns deles resultando até em mortes. Segundo o jornal Korean Times, 77% da população vive em apartamentos, condomínios e casas geminadas. Ou seja, existe uma convivência forçada entre os vizinhos nessa disputa quase impossível por espaço, privacidade e silêncio.

Joo-young mergulha nesse universo ao procurar pela irmã. O prédio onde passa a viver foi construído com materiais de péssima qualidade e, por essa razão, todo o barulho do andar superior pode ser ouvido nos outros apartamentos. Os moradores são perseguidos por uma série de ruídos incessantes e atormentadores, capazes de romper completamente com a sanidade humana. O barulho, com o passar do tempo, e à medida que cresce a deterioração mental dos habitantes do local,  se materializa em uma espécie de ser fantasmagórico impossível de ser ignorado. Ao buscar ajuda dentro do condomínio para conter essa assombração barulhenta da modernidade, Joo-young é ignorada, pois os moradores desejam que o prédio seja demolido pela prefeitura para que a área passe por um processo de revitalização, onde eles poderão viver em moradias melhores e mais silenciosas. 

Isso também é uma faceta interessante do roteiro. Existe essa ambiguidade: enquanto os ruídos são quase permanentes, há uma busca desenfreada por silêncio entre os moradores, de todas as formas, seja dentro das casas ou nas relações entre os vizinhos. Esse pacto silencioso evoca uma questão recorrente na filmografia coreana: a deterioração do coletivo. Em Seul, as pessoas competem entre si por empregos, por moradia e por silêncio. É uma metrópole barulhenta e que oprime o psicológico dos moradores.

Ruídos é muito competente na reprodução desse terror da vida cotidiana dos coreanos. Quando você é invisível e está sozinho, às vezes só precisa que a sétima arte amplifique aquilo que te atormenta. Talvez assim, aqueles que podem fazer algo pela população consigam, enfim, ouvir os ruídos que  afligem o cotidiano,  e decidam fazer algo a respeito. Em tempos de tanta gentrificação, o filme também se mostra relevante em qualquer parte do globo. O preço do aluguel, ao redor do mundo, é um filme de terror!









Ruídos estreia nos cinemas brasileiros no dia 09 de outubro.





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