Ricardo Islas: O pai do cinema de terror uruguaio


Quando questionei os demais diretores uruguaios, acerca do que mais gostavam no cinema de terror nacional, as respostas foram unânimes: os filmes de Ricardo Islas. Hoje, no projeto Final Chica, tive a honra de entrevistar o cineasta que é um dos diretores mais importantes do cinema de terror. Ele é um dos responsáveis pela consolidação do gênero na América Latina e possui uma carreira impressionante. Começou a fazer filmes de horror aos 16 anos, no interior do Uruguai, em um canal de televisão. Criou personagens originais, como o vampiro Crowley (o primeiro sanguessuga uruguaio) e já explorou vários subgêneros do terror em sua vasta filmografia. Ao todo, são 24 filmes. Ricardo, além de dirigir, é roteirista, ator, diretor de fotografia, editor e possui uma carreira consolidada na televisão estadunidense.

[FG] Ricardo. Você foi o primeiro diretor de cinema de terror no Uruguai. Como foi o processo de criação de suas primeiras películas? Quem te influenciou a fazer cinema de terror?

Não estou certo se fui o primeiro diretor de filmes de terror no Uruguai. Creio que há um um precedente na época do cinema mudo, uma película que se chamou El pequeño héroe del Arroyo del Oro. Não era um filme de terror em si. Mas era uma crônica policial muito sangrenta, uma história real. E me atreveria a dizer que esse é o primeiro exemplo no cinema uruguaio, de algo menos truculento. Não sei se terror ou não. Mas por fora disso, sim. Provavelmente eu seja um dos primeiros que fez películas de terror consecutivas, vários filmes de terror. E creio que até os dias de hoje eu não seja somente o primeiro, mas também o único. O começo foi duro, por ser pioneiro. Quando você é pioneiro há prós e contras. Os prós de ser pioneiro é que como isso não foi feito antes você não pode, de alguma maneira, se beneficiar de que todo mundo colabore em algo que é novidade. Algo muito novo. Era um contexto muito particular em qual acabara de terminar a ditadura militar no Uruguai, que durou 11 anos. E exatamente no final da ditadura, em 1985, quando assumiu o novo governo democrático, havia uma espécie de otimismo a nível nacional de que tudo era possível. E, dentro desse contexto de otimismo, eu apresentei um roteiro, eu tinha 16 anos, a um canal de televisão e me colocaram como condição que eu fosse buscar patrocínio e se conseguisse, faríamos a película e foi o que aconteceu, assim simplesmente na realidade. Me pediram que eu conseguisse uns dez patrocinadores e eu sai pela cidade a buscar patrocínios e consegui vinte. Mas te digo! Esse era um contexto de otimismo nacional e o país também se recuperou economicamente muito rápido depois da ditadura. Dentro desse contexto fiz minha primeira película, de meia hora, em um canal de televisão, com suas câmeras. Filmamos, foram duas semanas, onde não filmamos todos os dias, apenas alguns dias e a película terminou e foi realmente muito planejado. Fazem alguns dias, no dia 26 de março, foi o aniversário de 33 anos de que foi ao ar a primeira película. Foi ao ar no dia 26 de março de 1986, foi quando se mostrou o filme pela primeira vez. Se chamava Posesión, era um curta de meia hora, em um estilo feito para a televisão. Se parecia com O Exorcista, bem como uma película chamada The Possessed, com Joan Hackett e James Fiorentino, de 1977, que por sua vez era uma cópia do O Exorcista. Mas bem, esses foram dias de profunda novidade, essa coisa do otimismo, um contexto histórico muito particular. Os contras foram a mesma razão, de que nunca havia sido feito antes, tinha que conseguir atores que não tinham nenhuma experiência com a câmera, porque ninguém tinha. Em uma cidade pequena, não sou de Montevidéu, sou da Colônia de Sacramento, que é uma cidade que não tem tradição cinematográfica nenhuma, exceto o fato que era usada como set natural de produções estrangeiras: argentinas, britânicas, etc. Basicamente não consegui apoio da prefeitura, por exemplo. A nível oficial não consegui apoio. Consegui apoio privado de apoiadores. Mas isso aconteceu porque eu era pioneiro. Não tinha dinheiro, o dinheiro era zero, não era baixo orçamento, não tinha orçamento, não havia dinheiro em absoluto e não havia experiência técnica da equipe. A equipe de pessoas, que eram dois basicamente, eram pessoas de um canal de televisão, que faziam as notícias locais e eu tão pouco tinha experiência, tinha 16 anos. Então fui aprender fazendo, o que foi muito bom. Foi uma oportunidade única, que muita gente não tem. Muita gente acha que sou especial, pois fiz coisas tão jovem, mas para mim aconteceu essa oportunidade que não se dá para muito jovens. E bom, tudo aprendemos fazendo e as coisas saíram bastante bem. 
Eu sou um amante do cinema de terror desde que tenho lembrança, cresci vendo televisão durante os anos 70. A televisão que se via no Uruguai nos anos 70 era basicamente norte-americana. Haviam sábados inteiros de películas e muitas delas eram de terror. Filmes produzidos nos Estados Unidos, películas produzidas pela produtora Hammer da Inglaterra. E mais que nada, essas últimas, as películas de Christopher Lee, de Peter Cushing, foram as que me iniciaram como um amante do gênero. Amante como consumidor e, eventualmente, mais tarde como produtor. Minhas influências: A Hammer, Terence Fisher como diretor. E algumas das películas da Universal, ainda que era algo que mais se imaginava do que se via. Por uma questão geracional. Esses filmes não estavam tão acessíveis na televisão naquele momento e no cinema passaram antes de eu nascer, então meu pai, que era jovem quando essas películas passavam, se davam nos anos 30 e 40, as assistiu quando era adolescente e me contava nos anos 70 e eu as imaginava e as desenhava. Desenhava o lobisomem, Frankenstein, Drácula, a múmia. Mas visualmente as que eu vi como adulto eram da produtora Hammer, que foram produzidas apenas uns anos antes, algumas inclusive nos anos 70. E fui vendo-as na televisão e algumas no cinema, enquanto fui crescendo.

[FG] Você nasceu e começou a criar suas películas no interior. As pessoas achavam estranho, já que não existia ainda uma tradição cinematográfica de terror no Uruguai? Como você analisa a recepção de suas películas no Uruguai?

A recepção foi muito boa, pela mesma razão que eu comentava sobre ser pioneiro. Então havia um elemento muito forte de curiosidade e novidade. Algo que você tem que compreender é que essas películas que eu produzi na década de oitenta passavam na televisão. Não foram produzidas como hoje pode um produtor independente produzir algo e lançar em um festival. Já existe um grupo de pessoas seletas que vão aos festivais. Que são pessoas que fazem esses festivais de gênero ou são pessoas predispostas a ver esse tipo de película. Não, quando eu produzi minha primeira película Posesión, Crowley, Almohadón de Plumas, Rumbo a la Oscuridad, essas películas eram todas produzidas em um entorno de um canal de televisão, Canal 3 da cidade de Colônia e Canal 8 da cidade de Rosario, que trabalhavam em conjunto. Eu era um empregado. Depois que fiz a minha primeira película me ofereceram um trabalho. Fui empregado do canal. E se produzia um pouco do que se produzia nos Estados Unidos nos anos 70, como o produtor Dan Curtis, que você deve conhecer, ele produziu Drácula com Jack Palance, uma série de películas do O Médico e o Monstro, também com Jack Palance e também filmes que eu olhava profundamente. Dan Curtis teve uma grande influência em mim. Definitivamente The Night Stalker, com Darren McGavin, a película de vampiro, o filme original, de 1981, que bateu recordes, todas essas produções eram feitas para a televisão. Creio que eram para a CBS ou NBC, uma das cadeias. Bom, salvando as distâncias, tive que fazer as películas com uma equipe de televisão, dentro de um contexto de um canal de televisão e para a televisão. Por tanto, não se passava em festivais. Isso foi muito mais tarde. A película passava às dez da noite em um canal de televisão local e competia com outros canais de televisão que passavam películas americanas. Na noite que estreou Posesión, a primeira película, no dia 26 de março de 1986, nessa noite passava em um canal de televisão da Argentina, na mesma hora, o longa SOS Concord, com Alain Delon, Sylvia Kristel, a última, creio, que foi lançada sobre aeroportos. E as pessoas em Colônia, essa película era o que assistiam. Na época eram só quatro canais de televisão e terminava às onze da noite. Mas as pessoas não assistiram Concord, viram o nosso filme. Não pela qualidade, mas pela novidade. E também assistiam, pois pensavam que iam rir. Seguramente haviam coisas que estavam engraçadas e malfeitas, mas o comentário no dia seguinte foi: pensamos que íamos morrer de rir. E não, se assustaram. As crianças se assustaram, pois assistiram em família. Foi um fenômeno muito interessante. No outro dia, todos os jornais locais comentavam sobre essa experiência tão estranha. De ver gente que viam todo o dia na rua na televisão, fazendo uma película que todos achavam que seria uma porcaria, mal feita, filmada de longe, sem luz. E não. Haviam close-ups, planos imediatos, havia uma narrativa coerente, haviam efeitos, havia violência, havia sangue e isso não era esperado. Existem gerações de crianças que cresceram assustadas pelo vampiro Crowley. Tem uma história sobre isso que acho que nunca disse em público. Tinha um menino que vivia na frente da minha casa, que agora, é claro, já é um homem. E o menino veio visitar meu irmão que era pequeno quando eu estava maquiado como o Crowley. Eu me maquiava em casa entre o meio das rodagens. Esse menino quase se borra. Ele estava na escadaria e ele parou na frente da porta e se assustou tanto que foi chorando para casa. Por muito tempo não quis regressar para a nossa casa, apesar de viver na frente. E esse era o efeito que causava nas crianças ver na televisão esses filmes tão estranhos que fazíamos. Outro comentário que posso te fazer, já uns anos mais tarde, por 94 ou 95, fizemos a película, creio que foi o último filme que fiz no Uruguai, Mala Sangre, fizemos em um povoado, que cruzando a rua é o Brasil, no Chuy. Fizemos nesse povoado de Rocha e passamos esse filme no cinema de Rocha, a nível local. Isso não era para a televisão. Eu já estava em uma etapa de fazer filmes independentes da televisão, não trabalhava mais na televisão. E essa película passou na cidade de Castillo, em Rocha, onde, no total, colocamos 2.000 pessoas em duas sessões. E as pessoas vinham em cavalos e em carros, gente que nunca tinha ido ao cinema em sua vida. De povoados rurais da zona, que sabiam que tinha sido feito uma película a nível local e vinham pela primeira vez ao cinema. Gente velha. Para ver uma película, que a novidade é que era local. São experiências riquíssimas, que às vezes eu me pergunto se tem algo melhor, não creio que tenha. Essa coisa de fazer uma película e que venha gente nova, que nunca tenha visto cinema antes. Foi algo muito forte. A recepção que te contei é a recepção do público, que é a mais importante. Mas no fim dos anos 80, 89, 90, as películas começaram a ser vistas nos cinemas de Montevidéu. E houve uma reação diferente de um público, não exatamente um público, mas uma classe de pessoas que escreviam nos jornais de Montevidéu e o diretor, por exemplo, do cinema universitário do Uruguai, que programavam essas películas e era um cineasta. Uma reação muito interessante deles é que não entendiam que pessoas, pois eu tinha uma equipe de pessoas que eram muito jovens, que tinha 16, 17 anos, haviam feito películas que tinham narrativas que eram coerentes. Isso era o que não entendiam. E eles explicavam pra mim regras de cinema que eu nunca havia escutado antes. Por exemplo, não cruzar os planos. Se uma pessoa faz uma pergunta na câmara em um diálogo olhando para a direita, tem que responder olhando para a esquerda. Para que as pessoas não fiquem tontas e se percam. Regras. Regras de narrativa, regras de narrativa visual. Eles não podiam acreditar que não tínhamos tomado aulas e creio que houve uma espécie de exagero na supervalorização que se deu para mim como cineasta e nos filmes que fizemos. Creio que muitas coisas são intuitivas, mas creio que qualquer pessoa (não sei se qualquer pessoa), mas qualquer pessoa que tenha uma inclinação ao audiovisual, somente por assistir cinema na televisão, pode captar. E nunca tinha ido para uma escola de cinema, nunca fui até o dia de hoje. Nunca fui numa escola de cinema na minha vida. Mas essas coisas se aprende vendo. Não tive professores de ensino formal, mas meus professores foram Terence Fisher, James Whale, Roy Ward Baker, todas as pessoas que trabalharam na Hammer, todos eles foram diretores. A narrativa visual que eles se maravilhavam eram consequência lógica de ver televisão toda a vida. Há gerações inteiras que são formadas assim. Quem dera eu fosse o primeiro, que está na tela, mas sei que muita gente que fez cinema independente de terror na América Latina que nunca pisaram em uma escola de cinema.

[FG] Quais foram as principais dificuldades que você enfrentou como cineasta no Uruguai?

 A dificuldade que tive ao fazer cinema no Uruguai foi a falta de dinheiro. E trabalhar em ambientes onde a maior parte do que eu escrevia não podia realizar. E eu sempre fui muito pragmático para escrever. Não escrevia películas que tinham perseguição de automóveis no centro da cidade ou um helicóptero que se choca com um edifício. Eu sabia escrever com o tamanho que eu produzia. Mas não me refiro a isso. Eu me refiro se eu escrevesse uma situação dramática, o terror é um gênero que requer uma grande imaginação autoral. O autor tem que lutar com um vampiro, contra um lobisomem e se a reação não é crível, ainda que os vampiros e os lobisomens sejam bons, e que normalmente nas minhas películas não eram, pois não havia dinheiro, mas ainda que fossem bons, se a reação da vítima, do ator que interage com o monstro não é crível, se vai tudo abaixo. E esse foi o maior problema que eu tive. Pela mesma falta de recursos, pelos círculos reduzidos de pessoas que colaboravam comigo por trás e na frente das câmeras, muitas vezes faltava uma cota de credibilidade ao produto. E isso é importante. Te digo. Porque minha influência vem da Hammer, onde era o oposto. Não tinham dinheiro. Mas haviam um montão de atores britânicos com muita fome depois da guerra, no pós-guerra. Fome literalmente. Porque Peter Cushing, li sua biografia, teve muita fome até seus 40 e pico de anos, quando finalmente pode fazer sua primeira película de Frankenstein e sua vida mudou. Mas até essa idade, quase morreu de fome. Isso lhes davam uma seriedade para o que faziam. O que eu não consegui facilmente com meus elencos quando trabalhava no Uruguai. E hoje, nos Estados Unidos, luto com o mesmo muitas vezes. As pessoas não creem, custa muito dinheiro ter um elenco que seja crível. Isso não te afeta tanto se está fazendo comédias. Não te afeta tanto se está fazendo dramas sociais. Porque é mais fácil ter uma relação direta com o material e apelar para tua memória emotiva. Mas quando está fazendo terror e está pedindo ao ator que reaja com espanto ou com dor, diante de um ataque de um tipo com uma máscara. Ai se nota e o material sofre. Esses foram os meus maiores desafios no Uruguai. Encontrar elenco em que se acreditava quando estavam na câmera. Por isso que eu atuava nas películas. Porque, apesar de eu não era um bom ator, eu não sou um bom ator, eu tinha essa coisa que tinha Peter Cushing, que tinha Vincent Price, ou que tinha Boris Karloff, que eram bons atores. Mas se acreditava quando estavam atuando e muitas vezes se passava na Hammer, a maquiagem não era muito boa. Da Universal sim, mas da Hammer, não tanto. Mas a reação de Peter Cushing quando vê Christopher Lee se desintegrar no solo no primeiro Drácula ainda que seja uma espécie balão de fumaça, que se desinfla embaixo do solo. A cara de Peter Cushing, suas impressões, são totalmente críveis. E ele estava metido naquilo como se estivesse vendo o pior horror imaginável. Bom, eu não era bom ator e não sou bom ator, mas quando estava atuando em minhas películas, eu acreditava, lhe dava essa coisa de seriedade, de que estou lutando com esse pedaço de espuma na mão com plumas, mas esse negócio de espuma vai chupar meu sangue e é real. E isso era um pouco do que, exceto por mim e algumas atuações contadas... Minhas películas faltavam isso e sigo lutando com isso. Isso tira a seriedade do produto.

[FG] O que você mais gosta no cinema de terror uruguaio?

Não tenho visto muito terror uruguaio, exceto o que eu fazia. Essa é a verdade. Há realizadores que estão excursionando ao gênero. Há uma clara influência nestes realizadores que são mais jovens do que eu, do cinema de terror, por exemplo, do Peter Jackson. Ou o cinema de terror de Sam Raimi. Que apesar de que trabalham com orçamentos mais altos, começaram com baixo orçamento. E os realizadores uruguaios tem um estilo, que em particular, não é meu estilo favorito. É um pouco do estilo de qual eu estava falando antes. É consciente das falências de não ter dinheiro. Preferem apostar em uma espécie de mescla de humor com terror. E para mim, como consumidor, nunca gostei disso. E eu tendo a produzir o que eu gosto de ver. Não produzo algo diferente do que gosto de ver, pois sou independente. Busco o que eu quero ver. Então voltando ao cinema uruguaio, sem dar nomes ou exemplos, não porque não quero ofender, não tenho uma memória tão espantosa e não quero ofender por omissão, o que eu vejo em geral é uma espécie de: eu vou lutar com um monstro. E esse monstro vem a ser um bonequinho. E a diferença de Karen Black na produção de Dan Curtis, quando briga com o indiozinho, aquele famoso, na trilogia de terror do guerreiro zulu. O qual não recordo o nome. Ela crê que a produção é séria, leva como algo sério, tecnicamente e como atriz. Quando um ator uruguaio enfrenta o monstro. E é um bonequinho ou um monstro grande, o que seja, vai reagir de forma exagerada. Como reagem os personagens de um filme do Peter Jackson, de suas épocas iniciais, ou de Sam Raimi. E é uma espécie de mescla de humor com terror, que eu não gosto. É uma preferência pessoal. Agora sei que há esforços no Uruguai. La Casa Muda, por exemplo, onde levam mais a sério. E eu aplaudo que tenham esses esforços. Eu quero ver um terror sério. Como consumidor. Não me importa se é uruguaio ou não. É isso que me importa. E não é uruguaio esse terror. Mas é de produtores argentinos. Diretores argentinos, como Adrián García Bogliano ou Daniel de la Vega, que é um amante do giallo. Eles produzem um terror que é mais sério. É violento, é ultraviolento, também é mais séria a coisa. É isso que eu gosto no terror. Uruguai, no entanto, não tem muitos exemplos disso. Estou certo de que isso vai mudar e peço desculpa se estou omitindo algo ou alguém. Minha memória é horrorosa. E esperemos que o vem num futuro próximo sejam alguns projetos que estão fazendo, onde talvez eu tenha alguma participação, por isso não vou falar em detalhes. Mas, espero ver no Uruguai um terror que seja levado a sério. É um terror que eu gosto de ver.

[FG] Você sempre foi um diretor muito independente. Fez muitas películas em vídeo. As novas tecnologias modificaram seu trabalho de que maneira?
 

Sim, claro. A tecnologia é fundamental para mim. Eu experimentei a troca entre o vídeo de muita baixa qualidade, que se produzia nos canais de televisão dos anos 80, porque era o que havia. Não sei se havia algo melhor em outro canal. Nos canais do interior do país que eu estava envolvido, nós tínhamos as câmeras que já eram o que deixavam de lado os canais de Montevidéu. Que às vezes, nessa época, necessitavam de muita luz. As câmeras tinham tubos e às vezes as caras ficavam verdes. O que era bom para o monstro, mas não para a vítima. Eu vi a transição disso e comecei a filmar em BTS ou super BTS, que foi já uma grande troca. Eu, com um pouco mais de dinheiro, passei por Low Pan, High Band, U-matic, Beta, e logo apareceu mais à frente o digital. É uma grande mudança. O digital foi o que levou o vídeo para o cinema. E a tecnologia se transformou em algo muito acessível. Coincidiu com a minha troca, quando vim viver nos Estados Unidos. E foi nesse sentido uma maior acessibilidade econômica para os meios. Também experimentei filmar para o cinema. Tive a sorte de filmar um filme para o cinema. Eu gostei muitíssimo da experiência da película Para matar um Assesino. Foi filmada em 16 mm. Mas hoje em dia, com câmeras DSLR ou 4K se pode obter uma qualidade de imagem melhor do que se obtinha com uma câmera de cinema Bolex no começo dos anos 2000, quando fiz Para Matar um Asesino. A tecnologia se fez muito acessível economicamente e tem permitido que nós independentes possamos melhorar o que fazemos. Mas também não podemos nos enganar tão pouco. É uma carreira que, para poder fazer as coisas de forma séria, há que partir seriamente. E nós não temos essa possibilidade porque trabalhamos com baixo orçamento. A tecnologia ajuda muitíssimo. Reduzimos a lacuna entre o que não se podia fazer e o que se pode fazer. Se estou gravando essa resposta e estou sentado em um pequeno estúdio que tenho aqui no centro entre duas telas verdes, com as luzes, eu posso me sentar na frente dessa tela verde e muito crivelmente aparecer sentado na frente de um deserto ou de uma avenida e realmente vai se ver como se estivesse ai. Tem feito as coisas muito mais fáceis para mim. E ao mesmo tempo a tecnologia está ao alcance de todo mundo. Então quase todo mundo pode fazer melhor ou pior, mas bastante bem. E essa "democratização dos meios", fez que todo mundo pense que pode fazer e todo mundo se apaixona pelo que faz. Se perdeu um pouco. Te contava o começo da minha carreira nos anos 80, as dificuldades de ser pioneiro, bom, isso não existe hoje. Para mim e para ninguém. Não posso ser pioneiro em nada, porque todo mundo, enquanto eu falo, quase um por quadra, está fazendo um filme em sua garagem. E logo qualquer um pode subir para o YouTube. E os amigos a veem. Hoje não é a melhor película, mas quem tem mais seguidores. O que tem mais amigos que vão ver. Então a tecnologia tem ajudado muitíssimo para fazer e para mostrar. Mas não necessariamente ajudou na qualidade. Creio que se perdeu um pouco, se massificou tanto a produção e a difusão. Que se perdeu um pouco o gosto pela qualidade.

[FG] Você dirige, escreve e também atua. Qual é a parte que você mais gosta?
 

Eu gosto de atuar, ainda que faça mal. Eu gosto muito de escrever. Creio que faça melhor do que atuar. Dirigir é quase um acidente. Dirigir e produzir são duas coisas que fiz, no contexto que tinha que criar meu próprio mundo. Se não, com certeza, estaria no Uruguai, talvez trabalhando em uma fábrica. Tive que criar esse mundo e dentro desse contexto. Tive que produzir é claro, Ninguém ia produzir, então eu produzia e tive que dirigir, sequer havia um cinema onde eu morava. Por que se não eu teria somente escrito ou atuado. Ou somente escrito. Com o tempo, tive que aprender a editar, a colorir, tive que aprender a editar som. Muitas outras coisas. E descobri recentemente, agora, com o passar dos anos, um gosto muito forte pela direção de fotografia e os técnicos me contratam. E tenho feito isso, não vivo disso, mas tenho um salário por produzir mídia para a televisão. E durante anos, aqui nos Estados Unidos, e agora para uma organização privada, é o que eu faço. Nesse escritório que estou sentado agora com essas telas verdes, estou dentro desse contexto de produzir mídia para outras pessoas. E me pagam salário e disso vivo. Mas ao nível independente, eu tenho uma companhia e uma conta de banco separado, onde tudo que coloco vai para minhas produções independentes. E esse dinheiro, que vai para a companhia, vem de direção de fotografia quase sempre. E esse é um aspecto técnico que aprendi no ofício de fazê-lo e gostei muito. Mas o que mais eu gosto é de escrever histórias e atuar. Quem dera que eu atuasse melhor para que me chamassem mais, me chamam às vezes daqui e acolá. Também é verdade que tive poucas oportunidades, exceto muito poucas ocasiões. E também não tive oportunidade de atuar em películas que eu não esteja produzindo, dirigindo, que esteja filmando. Que assim tivera mais oportunidades de dedicar-me a algo. Somente como escrever ou atuar somente, poderia ser em melhores condições. Vou completar agora 50 anos em um mês ou dois. Posso ser o professor Van Helsing das películas do futuro que outros façam. Ficaria encantado se fosse assim.

[FG] Você cria filmes de terror desde a década de 80. Tem uma vasta experiência na área. Como analisa o momento do terror atual?

O terror atravessou por momentos muito ruins. Os anos 90 foram ruins. Os 80, exceto pelas películas de slasher, que te engajavam muito, mas eram boas películas, exceto algumas exceções. Digamos que os 80 e 90 não foram muito bons. O princípio de 2000 tão pouco. É claro que houveram exceções. De um tempo para cá, até agora, o terror está atravessando por um momento interessante, onde se está buscando um pouco de sutileza. Eu gostei do que aconteceu no começo do século XXI com o terror asiático que invadiu, que estavam sendo produzidos desde os anos 90, mas que chegaram em 2000, em 2001, 2002. Que na realidade esse terror asiático é muito bom. Películas como Ringu, The Grudge, os originais e outras mais, de Takashi Miike e outros produtores, realizadores asiáticos. Que foi um terror que foi recebido como algo duvidoso. Mas na verdade as pessoas têm uma memória ruim, pois é um terror que não era diferente do que foi feito na melhor época do cinema de terror, que foi a década de 70. Mas agora, nesses últimos anos, filmes como Hereditário ou... Eu tenho uma memória ruim, mas Hereditário me chamou muita a minha atenção. É um terror que aposta no sutil e é muito bom. E que eu gosto talvez porque eu gosto de um terror sério. E ele é muito sério, é pesado. Me encanta o terror de Polanski, quando ele fez O Inquilino, por exemplo. Eu gosto dessa coisa retorcida, pesada e adulta. Detesto o terror adolescente ou P-G 13. O filme tem que ser adulto. Tem que haver morte, tem que haver sangue, se não, é outra coisa. E isso que eu gosto de alguns filmes atuais. Acho que está em um momento interessante, mas muito poucas exceções interessantes. Mas também, nunca foi visto nos 80, nos 90, um pouquinho de exceção nos anos 2000 com o cinema asiático e agora com alguma exceção, voltei a ver o que se via na década de 70. A década de 70 foi espetacular. Mais perfeito. E talvez um dia se volte a isso.


[FG] Você fez a primeira película de vampiro do Uruguai. E também já abordou personagens clássicos do terror, como em Frankenstein: Day of the Beast (2011). Como o cinema de terror mais clássico influenciou em tua carreira? O vampiro Crowley é um personagem muito interessante. Como surgiu esse vampiro uruguaio?

Algumas coisas já te respondi. Tenho uma grande influência da Hammer. O da Universal demorei para ver, só assisti quando adulto. Talvez tenha visto quando criança, mas é só uma memória no subconsciente. Mas não. Foi Christopher Lee, Peter Cushing, Terence Fisher. São essas películas que me influenciaram. O que eu gosto do cinema de terror clássico é que te abstrai. Te transporta para um mundo e uma época diferente. Então para mim funciona melhor o terror quando todo o contexto é diferente. Porque os personagens se são bem interpretados, se os atores levam isso a sério, que é algo que eu te dizia antes, os personagens não vão reagir igual diante de um papiro ou um lobisomem, o que seja, se vivia em um contexto, em uma época, que as pessoas acreditavam nisso. Não há que convencê-los. Onde nunca viram televisão, nunca escutaram rádio, nunca tiveram um celular. Há muitas razões que o terror clássico funciona tão bem e visualmente é muito atrativo. A época, os castelos e tudo mais. Mas falando sobre esse tema, sobre a seriedade, tu mencionas Crowley e Frankenstein. Meu filme Frankenstein. O que é insano porque fiz uma película que se passa em 1799, creio que gastamos 15 mil dólares ao total. Nos Estados Unidos, 15 mil dólares é como gastar 5.000 no Uruguai. Provavelmente essa seja a relação. E fizemos trajes de época, construímos sets, não usamos telas verdes, o que é uma lástima, mas naquela época não tínhamos todo o domínio dessa técnica. Estávamos em 2012 e eu não sabia usar uma tela verde. Não me animei a testar, mas falando do elemento clássico, os atores que eu contei para o filme de Frankenstein não me deram o nível de seriedade ao que eu estava me referindo a pouco tempo e eu quando atuo tendo a dar para as películas. Não me deram. A película Frankenstein, se você a viu, é uma homenagem para a Hammer, toda a estrutura da história, não há humor, é séria, os personagens são sérios, a trama fodida, mas os atores são jovens, não todos, mas a maior parte deles, não todos, mas a maioria deles não levou a sério e isso pode ser visto. Considero que Frankenstein - O Dia da Besta tenha acertos, foi uma película que foi bem aceita, ela forneceu uma crítica aqui nos Estados Unidos. Eu considero que é um filme falido. E creio que é falido única e exclusivamente, pela parte dos atores. Creio que não levaram a sério, que afetou negativamente a película e é minha culpa como diretor, por não ver. Estava tão fascinado com a minha parte técnica da película, que estava fazendo um filme de Frankenstein, os monstros, os cenários, os túneis que construímos para a película. Eu estava fascinado com o técnico que não dei bola o suficiente para os atores. Quando vejo hoje, a coisas que me incomodam, incomodam outras pessoas também. E quisera que fossem diferentes, tem que se cometer erros para aprender. Crowley, você me pergunta de Crowley, estamos falando dos anos 80, foi minha segunda película. A primeira vez que eu fiz. Fiz uma sequência nos anos 90, 89, 90. O personagem de Crowley nasceu, na realidade, com uma publicação, em episódios, em um jornal local que eu escrevia que se chamava El Sol. Crowley nasceu quando eu tinha 16 anos. Só que não foi minha primeira película. Minha primeira película foi Posesión. Também aos 16. Mas eu publicava, não me recordo quantos episódios eram, creio que eram como oito, uma história narrativa, de ficção, duas colunas no jornal, mais ou menos, que foi o que deu a base para a película. Praticamente está baseada por completo nessa história. Assim nasceu. O nome do vampiro é assim, pois eu li um livro, que é a mescla de dois personagens. As pessoas acreditam que está baseado em Aleister Crowley, o mago o, alquimista, mas não tanto. Está baseada em outro personagem, também de sobrenome Crowley, que também viveu na Inglaterra, no começo do século XX, que acreditava ser vampiro e que matou gente. Uma espécie como O Vampiro Negro, do filme com Nathán Pinzón, também baseada na película com Peter Lorre, creio que esses personagens estão baseados nesse personagem que acreditava ser vampiro e matava gente. E eu, quando estava na escola, já tinha ouvido falar sobre esse outro Crowley, Aleister Crowley. Aí sim mesclei com alquimia, misturei mais as coisas. Mas originalmente está baseado nisso. E nesse momento era uma homenagem total para a Hammer. Da sua capa até... Para a Hammer, mas também ao Dan Curtis e o vampiro de Night Stalker, porque muita gente não sabe, pensa que é tudo para a Hammer, mas não, Crowley emite rugidos, não fala. Como o vampiro de Night Stalker, ele não diz uma palavra. Crowley é muito desumano. Não é um vampiro sedutor, que tem um atrativo sexual. Ele mata as pessoas, ele chupa o sangue. Ele está comendo. Ele está caçando. E nesse sentido, toda a vida, ele é como o vampiro de Night Stalker. Que foi uma grande influência em toda a minha vida. De todo o ponto de vista, de todas as películas que fiz, inclusive as que não são com vampiros. Eu cheguei ao ponto de pegar Night Stalker, que é uma obra de mestre do cinema para a televisão e analisá-lo, desossá-lo, contar quantos minutos tem cada cena. Ver quando acontecem as cenas de ação, quando vem o diálogo e eu escrevi roteiros inteiros nesse formato, pois creio que é uma joia essa película.


[FG] Atualmente vemos muitas películas de terror em muitos países da América Latina. Alguns países estão lançando películas somente de 2013 para cá. Por que você acredita que o cinema de terror não é tão abordado na América Latina e demorou tanto tempo para se difundir mais?

Não estou muito familiarizado com ele. Vi algumas coisas e algumas coisas interessantes do Chile. Outras de Colômbia. Adrián Garcia Bogliano no México, fez uma boa película de terror, chamada Ahí va el Diablo. É um bom filme de terror, eu gosto muito do que está fazendo Daniel de la Vega na Argentina. Não sei se posso responder, pois não sou sociólogo, nem tenho uma resposta que valha a pena ser publicada a respeito, mas havia uma grande repressão na América Latina. Uma repressão muito forte do poder político. Fizeram tudo que fora morte, sangue e violência porque queriam salvar os direitos. Porque eram eles que torturavam e matavam. Falando sério, durante as ditaduras que sofremos nos anos 70, se censurava fortemente as películas que vinham de fora. As películas da Hammer que eu via na televisão, que os crimes estavam brutalmente cortados. Assim se imaginava o pedacinho que não se via com devoção e com fome. Buscava mais para frente, quando apareceu o video home, a versão completa para ver. Porque quando começa Scars of Dracula (1970), por exemplo, quando entram na igreja e estão todas as mulheres mortas. Por que os cortes são tão rápidos? Bom, porque não queriam mostrar os olhos arrancados, o peito rasgado das mulheres. Então isso tudo estava censurado. Então creio que essa censura afetou o que se podia ou não poderia produzir. Eu fiz minha primeira película em 1985, no mesmo ano que terminou a ditadura militar. Mas me pergunto o que teria acontecido se tivesse feito antes. A Argentina tem exemplo de cinema de terror nos anos 70. Mas são esporádicos. E creio que com grande problema de censura. Talvez não tivesse censura para fazê-los. Porque eram esforços privados ou independentes. Mas havia censura na hora de mostrá-los. É algo que fala por si. É caro produzir cinema em geral, Se você tem um produto que não pode mostrar, é mais do que razão suficiente para sequer tentar. Essa é a razão do porquê tardou-se tanto para começar a fazer cinema e se mostrar o cinema de terror. E antes da ditadura, falando da época de 50, é lógico que não havia cinema de terror na América Latina, pois o cinema de terror em geral, no mundo, teve uma espécie de boicote invasivo no final do cinema de terror da Universal nos anos 30. E quando começaram a rir dos monstros nos anos 40, começaram a fazer películas cômicas como Abbott e Costello nos anos 50. E logo houve uma época de películas românticas e musicais e fizeram várias. E o terror não voltou a ressurgir no mundo até os anos 60 e 70. E então a América Latina estava em um tumulto, revoluções de esquerda e ditaduras de direita. Então era um contexto-histórico social, pelo qual, se tardou muito a se desfrutar de matanças e sangue no entretenimento, pois tínhamos bastante na vida real.

[FG] Você está radicado em Chicago. Há diferença entre filmar no Uruguai e nos Estados Unidos?

Sim, claro. Eu imagino que sim. Há uma diferença também de ter vivido no Uruguai até os anos 90 e chegar aqui em Chicago. E isso não tem a ver com filmar. Mas justamente quando eu vim parar aqui, foi quando o Uruguai começou a produzir. E justamente eu vim parar aqui quando começaram a aparecer as primeiras câmeras digitais baratas. Então há uma coincidência não buscada, entre mudanças de ir de um lugar viver em outro, mas também mudanças que aconteceram no lugar que deixei para trás e mudanças que aconteceram ao nível mundial. E por isso é tão diferente também. Eu não sei como é filmar um filme de 5.000 dólares com uma câmera digital no Uruguai hoje. Nunca tive essa oportunidade. Não sei como seria. Não sei se seria tão diferente de uma película feita com 5.000 dólares com uma câmera digital nos Estados Unidos. E não há que se enganar. Eu vim para os Estados Unidos, não quer dizer que eu esteja produzindo para Hollywood. Algo que eu já sei que você sabe. Eu fiquei por razões pessoais. Fiquei porque não tinha escolha. Quando eu vim aqui nos anos 90, há uma coisa para esclarecer. Muita gente não sabe. Mas quando eu vim aqui nos anos 90, eu não tinha a intenção de ficar. Eu tinha intenção de encontrar um mercado aqui para localizar as produções e continuar produzindo no Uruguai. Essa era a minha intenção. É claro, todos temos intenções, sonhos ou propósitos. E a vida vai te levando por outros caminhos. Eu vim aqui sem se quer entender. Eu vim para cá a primeira vez convidado por um festival de cinema e as pessoas que me deixaram vir eram pessoas que estavam bem posicionadas. Eu vim ficar aqui, pois há mais possibilidades. Ainda com esse convite, eu pensei em atuar temporariamente, pois não queria viver nos Estados Unidos. Não porque não gostava da sociedade americana, nem nada. Não sou um anti-yankee. Nem nada disso, mas sim porque eu gostava muito do Uruguai. Eu queria seguir produzindo no Uruguai. Me sentia muito cômodo em Colônia. Estava em um bom momento no Uruguai. Além disso, havia ganhado prêmios e tinha apoio. Tinha um pouco mais de dinheiro para fazer coisas lá no final da minha carreira no Uruguai. Mas vim aqui, fiquei. Não fiquei ilegal. Fiquei legalmente, pois nessa época nos davam permissões, os vistos eram por dez anos. Te davam permissão para ficar por um ano sem renovar tua permissão, para logo sair e retornar. Mas eu fiquei e fui trabalhar em uma série de televisão porque me contrataram para escrever e dirigir. Uma série local, com latinos e em espanhol. E nesse contexto, a mesma companhia começou a se movimentar para conseguir um green card para eu ficar e trabalhar. E por tanto, para poder fazer isso, não era nada, mas era um compromisso de um ano. Tive que ficar e passou a data de permissão para ficar. Mas a empresa me garantiu que estavam tramitando o green card e portanto confiei e fiquei. Quando percebi, estava ilegal. E me disseram: Seu green card está trancado, pois já passou a data. Por tanto, se você for, vai ter problema para voltar e isso fez que eu ficasse mais tempo. E logo me casei. E fiquei. Tenho filhos. E fiz a vida. Eu fiquei e era o momento de ter uma família no país e de assumir seriamente a responsabilidade de ter uma família. Não me pareceu uma boa ideia me aventurar. Tenho amigos até o dia de hoje que passam 5 anos, dez anos, fazendo audições, tentando fazer um roteiro dar certo, tentando abrir espaço na indústria, digamos. Na indústria do cinema. E não me parecia ser uma vida para mim. Para mim não teria problema, eu poderia estar no Uruguai. Mas não para um bebê, uma família. O que seja, que dependem de mim. Então busquei fazer minha carreira na televisão. E na televisão cheguei bem longe. Cheguei a ser produtor sênior de um canal de televisão da PBS na cidade de Chicago. No centro do mercado dos Estados Unidos. Ganhei várias nomeações para o Emmy. Ganhei um Emmy. E até o dia de hoje sigo vivendo. Quando esse canal se encerrou, depois de vinte anos, fiquei com os clientes do canal que necessitavam de uma pessoa que fizessem todo o seu tema de mídia. Por isso estou sentado nesse estúdio e além disso, disso vivo. Mas viver disso ou ter um trabalho com televisão ou agora com uma produtora privada como essa. Onde se trabalha das nove da manhã até às 5 da tarde. O que seja, enfim. E você tem que estar lá segunda, terça, quarta, quinta, sexta. Assim o cinema, que sigo fazendo por todos estes anos, se transformou em uma atividade na metade do caminho entre o cinema independente e um passatempo. Faço com meu próprio dinheiro. Com o dinheiro que cobro aos outros por fazer direção de fotografia, por fazer edição e outras coisas mais. Esse dinheiro coloco em um banco. E em um ano, a cada dois anos, faço filmes meus, feitos por mim. Como te dizia antes. Descobri que me encanta trabalhar na equipe de outras pessoas. Eu nem sequer me apresso mais para fazer algo meu. Encontro prazer em trabalhar com outras pessoas, no projeto de outros. Então você me pergunta qual a diferença entre filmar no Uruguai e filmar em Chicago. Sim, há diferenças. As locações são diferentes. Tudo é diferente. O idioma é diferente. Mas o tipo de cinema que eu faço em Chicago hoje não é tão diferente do cinema que eu fazia no Uruguai. Por que também faço no final de semana. E com atores que não são os atores classe A, que vão dar para a tua película essa profundidade, essa seriedade que eu desejaria que tivessem. Porque para fazer isso eu não poderia estar fazendo filmes nos finais de semana e trabalhando na televisão durante a semana, fazendo documentários, ou concertos musicais. Tanto é que deixei de fazer filmes a um nível mais alto, com orçamento mais alto e com atores que levam mais a sério. Ou que tenham outro nível em sua carreira. E não é o que eu fiz. A carreira que tive. Com algumas dessas exceções, como Para matar um Asesino que fiz para o cinema, com orçamento, trouxemos atores do México. Ou a película Macumba, que recebeu o nome de Zombie Farm, que fiz com um produtor de Los Angeles. Também fizemos na Louisiana e trouxemos atores de Miami e tudo mais. Com esse par de exceções. Todas películas são exatamente como eu fazia no Uruguai. Com a mais cara quinze mil, vinte mil dólares. A mais barata 5.000. Todas andam entre os dez, vinte. Isso, em termos de Uruguai, quando eu estava nos 80, 90 já, segue o mesmo. Um pouco mais talvez. Quase o mesmo. O que mudou bastante foi a tecnologia, que permite que coisas melhores sejam feitas. Isso mudou para mim e mudou para o Uruguai.

[FG] Como espectador de cinema. O que você acredita que falta no cinema uruguaio de terror? O que seria necessário para o gênero crescer?

Não é visto o suficiente e está muito apegado ao humor por medo que saia mal. Não vou fazer algo sério, pois se faço algo sério vão notar que não tinha dinheiro ou que saiu algo mal. Pelas razões que sejam. Está muito apegado ao humor, ao jovem e eu, como espectador não gosto. E assim no Uruguai ou onde seja. Eu gosto do terror direto, sério. E sei que há alguns exemplos, como La Casa Muda. Eu vi e não me deixou muito entusiasmado, mas aplaudo que tenham feito de forma séria. Deve haver algum outro que está escapando, mas minha memória é terrível. E ainda mais quando fico nervoso e tenho medo de ofender a alguém por não ter visto algo. E conheço muita gente. É claro que alguns conheço online, mas os conheço. Não sei quando você vai publicar isso e não quero ser crítico ou misterioso, mas estou trabalhando em um roteiro sério no Uruguai. Estão levando muito a sério. Tenho muitas esperanças nesse projeto. Como tenho certa participação nele não quero falar mais do que a conta. Para responder tua pergunta, gostaria de ver terror que seja levado a sério. Que os realizadores uruguaios se animem a levar o terror a sério. E outra coisa que eu gostaria de ver, que eu gostaria de fazer no Uruguai, seria um pouco do terror clássico. Por que temos umas locações fantásticas para isso. Eu gostaria de voltar à Colônia. E usá-la como nunca usei na época. Fazer um filme de época. Algo de terror tipo Hammer, naquelas ruas. Isso eu gostaria. Muitíssimo. É algo que eu gostaria de ver e gostaria de fazer. E não renuncio a isso. Gostaria de fazer um dia.

[FG] Você é conhecido como o John Carpenter uruguaio. Mas eu queria saber de você. Como você define o seu cinema?

Não sei como definir meu cinema, exceto que trato de levar o cinema de terror a sério. Sobre o John Carpenter, creio que é correto, pois John Carpenter, igual ao Hitchcock, é um diretor muito estrutural. Ele tem muita estrutura em seu cinema. Então é mais fácil copiar e aprender de alguém que tem uma estrutura do que alguém mais inspirado, mas mais imprevisível. John Carpenter, ainda que fosse muito bom assustando ou era muito bom assustando, sua forma era previsível. Havia uma certa quantidade de segundos antes que você fosse se assustar e aparecia o susto. E por isso, em minhas primeiras películas, por isso que me nomearam John Carpenter. Meu cinema também seguia uma estrutura. Na realidade, Carpenter tira de De Palma, assim como De Palma tirava de Hitchcock. Dos outros dessa época. E eu, que era um imenso fã de Hitchcock, bebia diretamente da fonte. Bebia diretamente de Hitchcock, bebia do que eles seguiam na época, como Carpenter, como De Palma. Meu cinema é um cinema, no quero dar mais voltas, não saberia definir meu cinema. Mas em última instância, é um cinema que nunca tive a oportunidade de fazê-lo em sua totalidade. Como talvez eu pudesse fazer. E sei que falar assim é como viver de passado. Estou com 50 anos e poderia ou posso produzir cinema por muito tempo mais. Mas creio que nunca tive um orçamento ao meu alcance e uma equipe paga por esse orçamento. Que tenham levado a sério suficientemente como o cinema que eu gosto de ver. Então para definir meu cinema: é um cinema que sempre foi uma semente, que nunca chegou a florescer em sua totalidade.

[FG] Para terminar, você já fez filmes de vampiros, thrillers psicológicos e recentemente uma comédia El Que no Corre, Vuela (2018). Há algum subgênero no terror que você ainda não abordou mas gostaria de filmar?
Sim. Gostaria de fazer ficção científica. A razão para que nunca tenha feito ficção científica com terror é com certeza por causa do orçamento e além do mais. Então ficção científica é algo que eu gostaria de fazer, tipo Alien. Películas de monstros, não necessariamente no espaço, mas em outra época. Tenho algum projeto por ai. Quem sabe um dia ainda o faça. Futurista. Não gosto de películas apocalípticas de zumbis, pois já estou cansado. Mas eu gosto dos contextos temporais diferentes dos atuais. Por isso eu gosto de cinema clássico. Eu gosto de Planeta dos Macacos. Você não sabe que é o futuro até o final da película. É um mundo que não necessariamente possui naves espaciais, mas é um mundo alternativo. Isso gostaria de experimentar algum dia. Algo assim.

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