Especial West Memphis Three: Uma Introdução




O especial a seguir é uma parceria entre o Final Girl e o podcast 1001 Crimes.


Mississippi é o segundo maior rio dos EUA e atravessa dez estados do país. Suas águas já conheceram todo o tipo de história. Foram testemunhas oculares do fim do escravagismo sulino, do nascimento do blues, serviram de inspiração para as histórias do escritor Mark Twain.
Ele também foi a última morada do cantor Jeff Buckley, que faleceu em um dos seus afluentes, nas cercanias de Memphis (TN), em 1997. A morte da promessa musical não foi a única tragédia de grande magnitude vivenciada pela região. Em 6 de maio de 1993, a cidade de West Memphis, localizada no Arkansas, e separada do estado do Tennessee pelo gigantesco curso d'água, foi balançada pela morte de três garotinhos de oito anos. Christopher Byers, James Michael Moore e Steven Edward Branch, amigos inseparáveis e colegas de escola, foram encontrados mortos em uma pequena região de mata, conhecida como Robin Hood Hills, dentro de um trecho do Ten Mile Bayou, um canal artificial que fora construído no entorno da cidade para evitar as constantes inundações. Mara Leveritt, autora do livro Nó do Diabo, uma das publicações mais importantes sobre o caso, descrevera que eles foram encontrados "com as mãos e os pés amarrados atrás de seus corpos, dobrados de forma invertida, como se fossem um novilho". Eles estavam despidos. Michael tinha um ferimento muito grave em sua cabeça. Stevie, por sua vez, tinha o lado do rosto muito lesionado, indicando que havia sido vítima de espancamento antes de morrer. Christopher, por sua vez, teve suas genitais retiradas. O crime foi extremamente brutal. Quem seria capaz de fazer tamanha atrocidade contra três crianças? Essa pergunta tornou-se uma constante entre os populares aterrorizados da pacata cidade.




West Memphis 

Cena do documentário West of Memphis (2012)

West Memphis é uma cidade de aproximadamente 28.000 habitantes. Localizada no Arkansas, está separada de Memphis (Tennessee) pela ponte Hernando de Soto. É cortada ao meio pelo U.S Road 70 e pela I-40, rodovias que ligam o leste e o oeste dos Estados Unidos. E também pela I-55, que começa em Chicago e vai até Nova Orleans. É o munícipio mais populoso do Condado de Crittenden. É um lugar de pessoas simples e de baixa escolaridade. Aqui o american dream transformou-se em pesadelo para boa parte da população. Enquanto Memphis, do outro lado do rio, parece prosperar, com seus arranha-céus, os cidadãos de West Memphis vivem uma vida de sacrifícios. Os empregos são escassos e muitos cidadãos vivem abaixo da linha da pobreza. A situação já era assim em 1993, e a realidade parece não ter mudado muito desde então. Segundo o Data Usa, 23,5% da população considerada pobre do Condado (11,4 de 48.6 mil pessoas) vive em situação de miséria, um número que é superior à média nacional de 13,1%. E isso tem um impacto direto nas estatísticas de crimes, uso de drogas e violência regional. Em pesquisa divulgada em 2018 pela National Council for Home Safety and Security, a cidade de West Memphis havia conquistado a décima colocação na lista de locais mais perigosos para se viver nos Estados Unidos. Com uma população estimada em 26.000 habitantes, o estudo apontava 1,929 crimes violentos só naquele ano.

A região de Robin Hood Hills em cena do documentário Paradise Lost 2 - Revelations (2001)
Em 1993, a cidade não parecia ser tão opressora quanto nos tempos atuais. Tanto que os pais deixavam seus filhos brincarem despreocupados pelas ruas dos bairros. Sem muitos atrativos, essa era uma das poucas diversões para os jovens na cidade. Eles andavam sem destino pela vizinhança. Outro ponto que deixava os pais confortáveis e permissivos diz respeito à uma questão religiosa. West Memphis sempre foi uma comunidade humilde, mas muito cristã. O Arkansas é um dos estados que faz parte do Cinturão da Bíblia (o chamado Bible Belt), onde existe uma grande concentração de protestantes conservadores. A religião Batista ainda é predominante no local até hoje. Com uma população tão temente a Deus, que mal poderiam sofrer aqueles meninos(as) ao passear livremente pelas cercanias do munícipio?
A única restrição parecia ser o local do assassinato, a região de Robin Hood Hills. A pequena área de mata ficava nas cercanias da Interstate 40, também conhecida como Service Road. Também era muito próxima de um estabelecimento de lavagens de caminhões, o Blue Beacon, e de uma parada de caminhões, a Union 76. Além disso, estava no caminho da fronteira interestadual. O bosque era conhecido por ser um ambiente onde as pessoas costumavam ir para fazerem coisas ilícitas. Qualquer tipo de pessoa poderia se esconder ali, tanto da cidade ou oriundas da autoestrada. Era natural que os pais não quisessem que seus filhos frequentassem a região. Porém, o que parecia ser um lugar terrível para os adultos, era um ambiente de diversão para os pequenos. Eles adoravam brincar na beira do canal. Era o palco de suas aventuras. Era onde eles fugiam da realidade. Mas, infelizmente, esse foi o último lugar onde os três garotinhos foram vistos.

Um crime satânico?

Tão logo os detalhes sobre o crime começaram a vir à tona pela cidade, muitas especulações começaram a aparecer. Por causa dos ferimentos encontrados nas crianças, os investigadores, sem conseguir encontrar uma solução plausível, começaram a supor estarem diante de um crime causado por um culto satânico. A “sorte” da polícia é que eles contavam com um verdadeiro “especialista” em ocultismo na região, o agente de condicional do Condado de Crittenden, Jerry Driver. Nas horas vagas, quando não estava trabalhando no acompanhamento de jovens que haviam cometido infrações, Driver costumava caçar atividades “satanistas” pelas cidades do condado. Inclusive, quando ele possuia dúvidas sobre o assunto, costumava enviar materiais para Dale W. Griffis, um policial aposentado de Tiffin, Ohio, que havia se convertido em estudioso sobre ocultismo em 1985.

Jerry Driver no documentário West of Memphis (2012)
Driver apresentou, a pedido da polícia, uma lista de pessoas que poderiam estar envolvidas com satanismo na área de West Memphis. E, no topo da lista, estava o jovem Damien Echols, um adolescente de 18 anos, tido como o menino estranho da cidade. Ele vestia roupas pretas, tinha os cabelos compridos, gostava de heavy metal e usava um casaco preto comprido até mesmo nos dias mais escaldantes de verão. Como não ficara nada comprovado contra Echols, as investigações continuaram até que o jovem Jessie Misskelley Jr (17 anos), fez uma confissão. Ele teria visto Damien e o melhor amigo dele, Jason Baldwin (16 anos), matar e violentar sexualmente os três meninos. Jessie teria apenas ajudado a segurar um dos garotos, Michael Moore, para que ele não fugisse da morte.
A confissão de Misskelley, que deveria ser algo sigiloso, pois fazia parte de uma investigação policial, "misteriosamente" tornou-se a capa do jornal mais importante da região, o The Commercial Appeal. A população de West Memphis, que estava vivendo um momento de muita incerteza e medo, foi invadida por uma enxurrada de especulações sobre a vida dos jovens. Como Baldwin e Echols eram os meninos que gostavam de rock, viviam com camisetas pretas, logo começaram a pipocar diversas histórias mirabolantes sobre a participação deles em seitas satânicas e atividades suspeitas. Esse tipo de fofoca já rolava antes dos crimes, pois eles eram considerados pessoas estranhas, pois não se vestiam como os outros jovens da cidade. Jerry Driver, segundo a jornalista Mara Leveritt, em trecho de seu livro Nó do Diabo, endossava todos esses boatos. Desde que o crime acontecera, ele parecia só ter uma pessoa em mente: Damien. Junto com seu assistente, Steve Jones, nas abordagens ao redor de Marion (cidade vizinha a WM) e West Memphis, a dupla já apresentava Echols como um suposto líder de culto satânico e como suspeito do crime, mesmo quando não exisitia nenhuma prova circunstancial contra o jovem, nem mesmo a suposta “confissão” de Jessie na época. A palavra de Driver parecia ter muito poder junto aos policiais. Ou seja, Jones e Driver colaboraram muito para que Echols fosse acusado.

Steve em cena do documentário West of Memphis (2012)

 Julgamento



Os três jovens foram julgados em dois júris separados. Jessie Misskelley Jr foi o primeiro a sentar no banco dos reús e foi condenado à prisão perpétua, mais 40 anos de reclusão, sem direito à liberdade condicional. A única evidência contra Jessie? Sua “confissão”. O jovem foi interrogado durante doze horas ininterruptas, mas os policiais levaram apenas alguns minutos de gravação para o tribunal, contendo o trecho que continha a sua declaração de ter “participado” do crime. O detetive Mike Allen pediu autorização ao pai de Jessie para entrevistá-lo. O jovem, que seria apenas um informante no começo, saiu da Delegacia da Polícia direto para a prisão. Mesmo tendo passado no teste do polígrafo, errado uma série de aspectos importantíssimos em sua declaração, feito mudanças constantes no horário que aconteceram as mortes (ele ia adequando o período de tempo até se encaixar no que estava sendo sugerido pelos detetives), confundido os objetos usados para amarrar as crianças, Misskelley foi considerado culpado. Os policiais sequer levaram em consideração os problemas cognitivos do rapaz. Ele possui o Q.I de 72, o que o igualaria a uma criança entre 5 a 6 anos de idade. Uma pessoa normal de 17 anos teria um Q.I de 92. Jessie não poderia ter tido o mesmo tipo de interrogatório policial normal. Dan Stidham, advogado do acusado, questionou o detetive Bryn Ridge durante o julgamento sobre isso.  Ele inqueriu se o departamento possuía algum policial  com treinamento para lidar com pessoas como Jessie. Ridge respondeu que não. O policial sequer sabia sobre o problema de saúde de Jessie. E isso não fez diferença alguma para os jurados também.



Damien e Jason foram julgados juntos. Echols foi condenado à morte por injeção letal. Jason foi condenado à prisão perpétua, sem possibilidade de liberdade condicional. Mas aguarde, pois essa história não acaba aqui. Essa é uma breve introdução sobre o caso. Eu vou abordar todos os tópicos sobre o assunto em vários posts. Não é uma pauta fácil. É um terreno bastante complexo, envolvendo uma investigação policial muito estranha, um julgamento muito tendencioso e a condenação de três jovens. Uma tragédia estadunidense que tem muitos capítulos e que precisa ser contada, pois ainda não possui um desfecho final. 


Particularmente, nunca tinha ouvido falar sobre esse caso. O meu primeiro contato aconteceu esse ano, através do 1001 Crimes. A Bruna, Fabi e a Shirlei fizeram um especial de três episódios fantástico sobre o caso, muito completo. Eu já escuto o podcast delas há algum tempo e quando ouvi a primeira parte sobre o West Memphis Three, eu simplesmente não conseguia me mexer na cadeira. Era tarde da noite. E eu, que não sou uma pessoa muito emotiva, estava muito emocionada. Era um misto de revolta, de tristeza, de ódio. Muitos sentimentos misturados, algo que eu não consigo descrever muito bem. E naquele momento eu percebi que eu precisava conhecer essa história. E eu não consegui nem esperar pelo segundo episódio. Eu entrei no "rabbit hole", pois existem muitas peças no caso, e estou lá até hoje. E eu decidi compartilhar essa minha "pesquisa" e dividir com você.
E fica aqui o meu agradecimento para as meninas do 1001 Crimes, que me apresentaram para esse universo e me convidaram para fazer parte do podcast. É uma honra muito grande! Me despeço por aqui e vou te deixar na companhia da Bruna e da Fabi. Agora você confere a imersão que elas fizeram nesse tema. Clique aqui
Até o próximo capítulo!


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