Especial: West Memphis Three — Capítulo 2: Três meninos, as famílias e uma floresta


*O texto a seguir contém informações contidas em arquivos da investigação criminal do assassinato de Stevie, Christopher e Michael, os quais estão disponíveis no Departamento de Polícia da cidade de West Memphis, Arkansas (EUA).


Quando Stevie, Christopher e Michael desapareceram na noite de cinco de maio de 1993, suas famílias se mobilizaram para encontrá-los. Quando foram dados como mortos, as imagens de consternação e desespero dos familiares percorreram os quatro cantos dos Estados Unidos. A mídia fez questão de mostrar cada minuto de sofrimento. As câmeras focaram com voracidade no momento em que Pam, a mãe de Stevie Branch, deita no chão da McAuley St, gritando de dor. A cobertura do caso, por parte da imprensa, teve muitos episódios de sensacionalismo barato.

Mas não eram só os jornalistas que pareciam não saber exatamente como proceder nesse caso. A polícia parecia estar muito perdida. Apesar do histórico de violência da cidade, nunca um crime tão brutal acontecera antes. Ainda mais envolvendo três crianças. O departamento estava sendo muito pressionado pela população e seus detetives pareciam ignorar pistas importantes. Em casos de assassinato de menores de idade, os criminologistas são enfáticos. As primeiras pessoas que devem ser investigadas são os pais. Depois os parentes das vítimas. Depois disso, você vai ampliando o leque de suspeitos. Mas, por alguma razão, a polícia só prestou atenção em John Mark Byers, padrasto de Christopher. Por isso, nesse novo capítulo, irei focar em um ponto da investigação que não foi feito de forma eficiente pelos policiais: vamos olhar um pouco para as famílias dos garotos.


 Stevie

Stevie acordou na manhã de 05 de maio de 1993, vestiu-se, comeu seu cereal favorito e caminhou com sua mãe até a escola, a Weaver Elementary. Pam estava sem carteira de motorista na época, então ela levava e buscava o garotinho todos os dias. A caminhada durava entre dez e quinze minutos, pois a casa da família estava localizada na South McAuley, uma rua basicamente residencial, cheia de casas muito parecidas, com gramados imensos e sem cercas, e ela ficava duas quadras distante do colégio. Atrás da McAuley, corre um trecho do Ten Mile Bayou, um canal artificial construído para evitar as inundações recorrentes na cidade. Seguindo reto pela longa avenida, na direção oeste, está uma das entradas da floresta Robin Hood Hills.  

A casa de Stevie Branch



“Anos antes, a cidade construíra um canal, conhecido pelo nada romântico nome de Ten Mile Bayou Diversion Ditch, para acomodar a água da chuva que normalmente correria para o rio Mississippi, mas era impedida pela grande barragem que o continha. Embora a barragem mantivesse o rio sob controle, a água da chuva acumulada na cidade criou problemas de alagamento durante anos. O Ten Mile Bayou foi criado para direcionar essa água ao longo da cidade, até um ponto ao sul, onde uma fuga na barragem finalmente permitia que escoasse. Parte do canal corria através do grupo de árvores. Em alguns lugares, tinha doze metros de largura e podia chegar a mais de 1 metro de profundidade".  (Nó do Diabo, página 22) 

Trecho do Ten Mile Bayou em cena do especial The Forgotten West Memphis Three (2020)




Pam buscou o filho novamente na escola à tarde, chegando um pouco mais cedo, aproximadamente 14h45min. Em interrogatório para a polícia em 2007, ela disse que pegou o menino antes do fim da aula, pois estava um dia particularmente quente e sua filha menor, Amanda, que tinha 4 anos na época, estava ficando irritada. O verão no delta do Mississippi é bastante agressivo. No caminho, o garotinho não parava de dizer o quanto amava sua mãe. Eles chegaram em casa e era aproximadamente três horas da tarde. Pam trabalhava no turno da noite em um restaurante, o Catfish Island. Ela estava recebendo treinamento para se tornar gerente. Seu turno começaria em duas horas. Ela aproveitou o tempo em casa para preparar a janta. Quinze minutos depois, o melhor amigo de Stevie — e seu colega de classe, Michael Moore, apareceu em sua casa, convidando-o para andar de bicicleta. Pam estava relutante, pois logo teria que sair para o trabalho, mas permitiu que Stevie fosse brincar com Michael. No dia anterior, Bubba, como ela chamava carinhosamente o filho, havia ganhado uma bicicleta nova de seus avós. Ela disse que ele deveria retornar antes das 16h30min.

Pam continuou fazendo a janta, se arrumou para o trabalho. Seu então marido, Terry Hobbs, chegou em casa. Ele a levaria até o trabalho. Stevie não chegou no horário marcado, o que lhe garantiria um castigo. A mãe achou estranho, mas pediu que Hobbs a levasse mesmo assim. Durante o trajeto, ela ficou olhando pelas cercanias, procurando o menino. Nove da noite, no final do seu turno, quando Terry foi buscá-la, ela imediatamente pegou dois chocolates para levar para as crianças. Hobbs não disse nada para ela, nem sequer a cumprimentou. Foi direto para o telefone do local e fez uma ligação. Ela achou estranho. Quando Pam se aproximou do carro, só encontrou Amanda. Ela entrou em desespero. O que Pam achou muito estranho sobre essa noite e relatou em seu depoimento para a polícia em 2007: Terry sabia que seu filho estava desaparecido por cinco horas e sequer havia lhe comunicado. Essa não era uma informação que poderia esperar até o final do seu turno de trabalho. Alguns minutos depois, policiais chegaram ao Catfish Island. Algum tempo mais tarde, Pam rumou para casa e começou a ajudar a procurar o menino. Hobbs dissera para a esposa que havia ficado vagando sem rumo por West Memphis,  procurando pelo garotinho. Só anos mais tarde ela ficara sabendo que ele tinha um álibi, David Jacoby. E teria ido para a casa do amigo da família naquela noite enquanto ela estava no trabalho. 

Pam e Terry em 1994

Segundo a versão de Jacoby, em entrevista para o podcast Truth and Justice, Terry teria chegado em sua casa entre 17h00 e 17h30min. Jacoby estava tocando guitarra e pediu que Terry ensinasse uma música para ele. Ele deixou sua caminhonete na entrada da garagem da casa de David, pois assim Stevie veria quando estivesse passando que ele estava lá. Eles tocaram por um tempo e Terry saiu para checar se Stevie havia chegado em casa. Ele demorou vinte minutos para retornar. Então, a esposa de Jacoby, Bobbi, ficou cuidando da filha de Hobbs, enquanto David e Terry saíram pela vizinhança para procurar o menino. Isso teria acontecido aproximadamente às 18:00 horas. Essa busca durou por volta de trinta minutos. Essa declaração não bate com o que o próprio Jacoby disse durante o documentário West of Memphis (2012). No filme, ele disse que Terry saiu de sua casa nesse horário sozinho. Tanto que durante uma cena do documentário, Jacoby chora e diz que fica pensando na razão de Terry não ter retornado para pedir ajuda para encontrar Stevie. Para a polícia, Jacoby disse em 2007 que só começou a procurar as crianças com o grupo de pessoas, no qual estava o pai de Pam Hobbs, tarde da noite. Segundo o depoimento de Hobbs para o seu processo contra a cantora Natalie Maines, Jacoby e ele teriam ficado praticamente a noite toda dentro da floresta até Jacoby ir trabalhar. Em 2009, Jacoby voltou a dizer para a polícia que saiu com Hobbs às 18:00 horas para procurar Stevie por quinze minutos. Eles voltaram para a casa de Jacoby e Terry saiu sozinho, voltando algum tempo mais tarde. Eles saíram juntos novamente para procurar o menino e Hobbs deixou Jacoby mais uma vez em casa, pois estava ficando tarde, e David precisava trocar de roupa e pegar lanternas. Mas Hobbs nunca retornou. Pam, inclusive, foi até a sua casa naquela noite e esse foi o momento em que ele se juntou ao grupo de pessoas que estavam procurando pelos meninos, incluindo o avô de Stevie, Jackie Hicks. As buscas teriam durado até três da manhã.

Além do álibi confuso, outro ponto que poderia indicar uma participação de Terry nos crimes: os nós encontrados nas crianças. Hobbs trabalhou por muitos anos em um açougue e estava acostumado a amarrar animais. As crianças foram encontradas como novilhos amarrados.

“Michael, com uma combinação de nós direitos e nós meia-volta; Stevie, com uma combinação de nós meia-volta, um nó em oito e laçadas; e Christopher, de maneira mais consistente, com quatro nós meia-volta duplos".  (Nó do Diabo, página 208)
Alguns dos nós também são usados no exército e no escotismo. O líder dos escoteiros de West Memphis na época era o pai de Michael Moore. Ele estava na Louisiana. O outro líder do grupo tinha um álibi. David Jacoby, por sua vez,  é um ex-militar.

Hobbs, em 1993, deixou a cidade de West Memphis duas semanas após o crime. Isso não despertou nenhum tipo de interrogação para a polícia. Dois jovens, vizinhos de Hobbs, que haviam saído da cidade naquele período e ido para a Califórnia, foram investigados por policiais californianos. Por que o padrasto de um dos meninos fez a mesma coisa e isso foi ignorado pelos investigadores locais? E mais do que isso, por que a polícia não investigou o histórico de violência doméstica de Terry? Mildred French, vizinha de Hobbs durante os anos oitenta, registrou contra ele uma queixa de invasão domiciliar e assédio sexual. Certa vez, cansada de testemunhar as constantes brigas na casa do vizinho, as quais terminavam em agressão contra sua esposa e seu filho, French foi até lá, pedir que ele parasse. Ele não ficou muito feliz com isso. Um mês depois, Hobbs invadiu a casa de French enquanto ela tomava banho, chegando a agarrar seus seios. Ele só saiu de sua residência quando ela começou a gritar. Em 1994, Hobbs agrediu Pam. O irmão dela interveio e foi baleado por Terry, gerando uma acusação de lesão corporal qualificada. Stevie, por sua vez, era muito maltratado pelo padrasto. Quando fazia algo que Hobbs não gostasse, ele mandava o garoto levantar suas mãos para o ar e lhe dava cintadas. Em outros momentos, o trancava no armário.

Judie Sadler
, tia de Stevie, durante o documentário West of Memphis (2012), foi mais além. Ela disse que quando o garotinho tinha seis anos, ele começou a se queixar das constantes surras. As violências físicas logo teriam migrado para agressões de cunho sexual. Stevie quase sempre ficava com as marcas das cintadas e elas começaram a ser notadas pelos avós maternos. O garoto, porém, não falava sobre o assunto, pois tinha medo de sofrer represálias por parte do padrasto. Duas semanas antes de morrer, ele pediu para sua mãe abandonasse Terry. Quando sua mãe questionou a razão, ele disse: “Ele ama Amanda, mas não a mim.”

Sheila Muse, outra irmã de Pamela Hobbs, deu outra declaração contundente dureante o documentário West of Memphis (2012). Ela viu Terry lavando roupas na madrugada do dia 6 de maio. Ele também passou alvejante no quarto de Stevie. Segundo ela, foi a primeira vez que viu o cunhado limpando alguma coisa. Em entrevista para o podcast Truth and Justice, Damien Echols, um dos jovens acusados pelo assassinato dos três meninos, e que ficou 18 anos e 76 dias na cadeia, afirmou que os especialistas que estavam pesquisando o caso, patrocinados pelo cineasta Peter Jackson e sua esposa, a produtora Fran Walsh, e que fizeram uma verdadeira varredura nas antigas residências de Stevie, Christopher e Michael, e em todos os carros que pertenciam aos familiares das crianças na época, encontraram fragmentos de sangue na caminhonete de Terry e nas tábuas do chão da residência dos Hobbs. Mas o que foi encontrado não foi suficiente para extrair DNA, nem para saber qual era a verdadeira fonte. Estava muito deteriorado pelo tempo.

A polícia de West Memphis só chamou Hobbs para uma conversa em 2007, depois que o grupo de especialistas contratados pela defesa liberou o resultado do DNA, apontado que o fio encontrado na liga do nó que amarrava Michael Moore podia ser de Terry Hobbs. Mike Allen, que era um dos detetives na época do crime, e que agora é o xerife do Departamento de Polícia de West Memphis, disse na ocasião, através de uma declaração, que Hobbs nunca foi uma pessoa investigada pela polícia e que nunca seria. Mas com um currículo desses, você não acha que ele deveria ser investigado um pouquinho? Ninguém está dizendo que ele é culpado pelo crime, mas uma investigação não faria mal a ninguém. Porém, infelizmente, o homem que pode pedir a reabertura do caso e solicitar um exame de DNA, não quer fazer isso. Trata-se do Segundo Procurador do Distrito Judicial, Scott Ellington. Terry Hobbs, por sua vez, nunca quis fornecer material de DNA para os investigadores da defesa. Os testes foram realizados através de uma guimba de cigarro. David Jacoby cedeu prontamente.



Michael

Michael amava ser um escoteiro. Sempre que podia, gostava de vestir seu uniforme. No dia 05 de maio de 1993, o garotinho estava usando a roupa dos lobinhos quando saiu para andar de bicicleta com seu melhor amigo, Stevie.



A casa dos Moore
Sua casa ficava quase no mesmo terreno da sua escola, a Weaver Elementary. Na outra esquina, na N14th Street, morava o outro colega e amigo de escola, Christopher Byers. Michael teria pedido para sua mãe, Dana, para ir até a casa de Stevie. Ela disse no tribunal que teria permitido que ele fosse. Dawn Moore, irmã de Michael Moore, que tinha dez anos na época, em entrevista ao podcast Truth and Justice, garantiu que isso não aconteceu, pois os pais nunca estavam em casa. Naquele período, a mãe trabalhava em dois lugares. Seu pai, Todd Moore nem estava na cidade. Ele trabalhava como caminhoneiro. Foi Dawn que permitiu que o menino fosse brincar com Stevie. Eles chegaram da escola e largaram suas coisas. Ele rumou para a casa dos Hobbs e Dawn foi para a casa de Kim Williams, a qual morava perto da floresta Robin Hood Hills.

Dana chegou a ver Michael e Stevie naquele dia outra vez, por volta das cinco horas da tarde, indo em direção do bosque. Michael foi até a casa de Kim Williams pedir permissão para a irmã, pois queria ir para a região de mata. Ela estava relutante, mas acabou deixando que ele fosse. Ela não conhecia o histórico do local. Foi sua amiga Kim que a alertou sobre os perigos do lugar. Elas chegaram a ver os meninos adentrando a floresta quando foram pedir que eles retornassem. Mas era tarde demais. Nesse momento, três jovens (um menino branco e dois meninos afro-americanos, de aproximadamente 17 anos), saíram da floresta e ofereceram para as meninas um “shot”. As garotinhas ficaram aterrorizadas, achando se tratar de algum tipo de droga.

A entrada conhecida como Devil's Den atualmente
A entrada de Devil's Den em 1993


Na última vez que Dawn viu os dois meninos, eles estavam entrando em uma região conhecida como Devil’s Den, localizada ao leste da parte sul da floresta. Era a entrada que ficava no cruzamento da N14th com a Goodwin Av. Haviam muitas entradas para a região. Tanto provenientes da cidade quanto da rodovia.

Segundo Dawn, após o incidente, ela foi para casa e avisou a mãe que o irmão tinha entrado na floresta, mas a matriarca não disse para ninguém que a filha havia visto Michael e Stevie indo para aquela direção. Ela a ignorou completamente. Eles só foram para a floresta depois que Terry buscou a esposa Pam no Catfish Island. Quando Dana Moore fez o seu depoimento no tribunal, ela disse que havia visto Michael às 18h30min, indo em direção do bosque, e que imediatamente pediu para a filha que fosse buscá-lo para jantar. Mas nada disso aconteceu na versão de Dawn. Naquela noite, inclusive, por volta das oito da noite, como não havia comida pronta em casa, elas comeram alguma coisa em um restaurante próximo da região. Assim que Dawn chegou m casa, elas ficaram andando pela região, procurando por Michael, pois era comum que ele não voltasse pra casa. Então elas foram até a casa de Stevie algumas vezes. Apenas uma vez Terry Hobbs estava lá. Esse momento foi antes da polícia ir até a residência. Ainda não tinha anoitecido.

Elas continuaram circulando pela cidade, indo na casa dos amigos da família e sequer passaram pela região da floresta. Dawn não sabe até hoje o porquê disso. A razão que levou sua mãe a não acreditar nela. Durante a entrevista para o podcast, inclusive, ela relata que sua mãe havia consumido álcool antes de começar a buscar o filho. Isso era algo comum na casa dos Moore segundo Dawn. Eles estavam sempre alcoolizados e os abusos físicos eram constantes.

Quando Dawn foi questionada pela polícia de West Memphis, eles não foram nada específicos, nem fizeram muitas perguntas sobre Michael. Quem conduziu a entrevista foi o detetive Ridge. Apenas fizeram alguns questionamentos vagos sobre os três jovens que saíram da floresta e ofereceram para a garota uma bebida. Todd Moore, por sua vez, nunca foi entrevistado, pois ele tinha um álibi muito forte. Ele trabalhava como caminhoneiro e estava no estado da Louisiana quando as mortes aconteceram. Ele cedeu amostrar de cabelo, sangue e urina para a investigação. Quando chegou em casa, foi imediatamente participar das buscas pelos meninos com o vizinho, Mark Byers. Dana só foi interrogada no tribunal. Eles se divorciaram alguns anos após o julgamento do caso.


Still do documentário Paradise Lost (1996)


Christopher


Christopher, assim como Michael e Stevie, era estudante do segundo ano da Weaver Elementary e frequentava os escoteiros de West Memphis. Era vizinho da família Moore. Vivia com sua mãe, Melissa, o padrasto Mark Byers, e seu meio-irmão, Ryan.


A casa dos Byers
O menino era hiperativo e havia se metido em algumas confusões na escola. Por isso, os pais procuraram ajuda do neurologista Donald J Eastmed. Mesmo fazendo tratamento com remédios para hiperatividade durante alguns meses, Byers não obteve nenhuma melhora significativa. Segundo a jornalista Mara Leveritt, em seu livro Nó do Diabo, o garotinho apresentava reações exageradas e tinha ataques de raiva. Ele tinha problemas para dormir, era inquieto durante as refeições e viagens de carro.

"Durante a consulta um pouco antes da morte de Christopher, Eastmead notou sinais de “exterma impulsividade, instintos destrutivos, rivalidade, rebeldia, hiperatividade, tolerância extremamente baixa à frustração e recusa em obedecer ordens”. Ele também registrou: “Estou confuso quanto à razão. Ele tem tomado 20 milígramas de Ritalin duas vezes ao dia, o que melhorou a hiperatividade e o déficit de atenção, mas não produziu nenhuma alteração apreciável em suas habilidades sociais, que são muito pobres, incluindo coisas como brincar com fezes e julgamento comprometido em relação ao cuidado e à atenção pessoal [...] Certamente é uma criança difícil que pode necessitar de tratamento hospitalar para adquirir controle sobre o próprio comportamento". (Nó do Diabo, página 429).

O comportamento hiperativo de Byers desafiava a paciência da família. Tanto que o menino costumava apanhar muito com um cinto. No dia em que Chris sumiu, ele havia sido castigado pelo padrasto mais uma vez. Quando Mark Byers chegou em casa, encontrou o menino andando de skate no meio da rua, sem muito cuidado. Isso foi o suficiente para que ele levasse uma surra e ficasse de castigo. Ele ficou algum tempo em casa, mas saiu sem que sua mãe percebesse.

Ryan, irmão de Chris, deu uma entrevista para o especial The Forgotten West Memphis Three, onde contou um pouco sobre como foi aquele dia, e como era viver na casa dos Byers. Segundo ele, o relacionamento familiar era como uma montanha-russa. Ele disse que era engraçado ver o padrasto na TV, falando o quanto amava o menininho, que sentia falta dele, quando a realidade era outra. Mark costumava ser muito abusivo com Christopher. Dawn Moore corrobora com essa declaração. Segundo ela, o vizinho deixava o cinto em um lugar da sala de estar e agredia o garoto, mesmo se estivesse na frente de outras pessoas. Melissa Byers, por outro lado, era uma mãe muito carinhosa.

Mark e Melissa em cena de Paradise Lost (1996)

No dia do sumiço de Chris, Ryan teve que ir para a corte após a escola, pois ele havia andado com um triciclo em uma rua de West Memphis e isso não era permitido. Mark o levou até lá. Byers foi então até Memphis buscar Melissa. Ela trabalhava na joalheria Fargenstein’s. Segundo Mara Leveritt, “na hora do rush, a viagem entre o tribunal municipal em West Memphis, cruzando o rio Mississippi, até a loja no centro de Memphis e então de volta até a casa dos Byers levaria pelo menos uma hora”. Byers chegou bem antes desse horário. Christopher saiu da escola e ficou vagando pelas redondezas. Ninguém sabe ao certo onde ele esteve, pois o garotinho não possuía a chave de casa. Os pais notaram que ele tentara arrombar a janela de casa para entrar, mas não obteve sucesso. Quando o padrasto chegou em casa, ele estava no meio da rua, deitado no skate. Ele agrediu Christopher com uma cintada, deixou o menino de castigo e a criança ficou limpando a garagem. Quando Ryan e Mark voltaram do tribunal municipal, trinta minutos depois, ele já não estava mais lá. Os Byers teriam notado o sumiço de Christopher às 18h:30min daquele dia. Logo chamaram a polícia. A única pista que tinham era proveniente de um vizinho da família, o qual viu quando Michael Moore e Stevie passaram de bicicleta e apanharem Byers, que abandonou seu skate na rua, o qual foi encontrado por Ryan a uma distância de seis casas da sua.

Ryan procurou por seu irmão na floresta com alguns amigos às 21:00 horas. Eles entraram pelo cruzamento da N14th (que era a rua onde ele morava), com a Goodwin Ave, na entrada chamada Devil’s Den. Ele foi até o balanço que havia no local, usado para atravessar o canal. Quando estava lá, ouviu cinco respingos muito altos na água, como se alguém estivesse atirando algo. E, após isso, ouviu barulho de movimentação na grama e nos arbustos do local. Nos dois primeiros ruídos que ouviu, provenientes do canal, Ryan gritou, perguntando se havia alguém ali. No terceiro, Ryan e seu amigo correram de volta para a rua, pois estavam com medo. Eles correram pela W. Catt St até chegar no fim da McAuley St, chegando na região do cano de água, onde estavam seus outros dois amigos procurando pelos meninos. Eles contaram para eles o que haviam ouvido e, quando se aproximaram novamente do cano, ouviram o barulho de um tiro.

A entrada da Robin Wood Hills pela McAuley St em 1993


Vista aérea da entrada da McAuley St em 1993


Richey e Robbie, amigos de Ryan, atravessaram o cano. Eles foram verificar o local. Eles ficaram lá por dez minutos. Eles retornaram, então os quatro cruzaram a ponte improvisada e começaram a procurar pela floresta. Desceram uma rampa rumo a um campo aberto. Ficaram lá por cerca de 30 minutos. Quando Ryan retornou para casa para ver se Chris havia voltado, retomou as buscas com Mark. Eles saíram e olharam algumas residências vazias. Eles chegaram em casa meia-noite e o padrasto o mandou dormir.

A versão de Mark para aquele dia bate com a de Ryan em muitos aspectos. Segundo a sua cronologia, ele fez exames em Memphis, chegou às 15h10min em casa e Chris não estava. Ele considerava o jovem muito jovem para ter uma chave e ele deveria esperar pelos pais na garagem quando não estivessem em casa. Ele saiu novamente 15h50min para levar Ryan até o tribunal. Pegou Melissa na cidade vizinha,  Memphis, deixou-a em casa e viu o garotinho deitado no meio da rua com o skate. Levou ele para casa e o castigou com cintadas. O deixou limpando a garagem, mas precisou sair novamente para buscar Ryan. Quando retornou, o menino não estava mais em casa.

Byers disse que começou a procurar na floresta por volta das 20h30min, mas voltou para sua residência por estar com uma roupa inadequada. No delta do Mississippi, em regiões pantanosas, os mosquitos são uma verdadeira praga. Ele colocou um macacão, retornou para a Robin Hood Hills, mas estava sem nenhuma lanterna. Segundo ele, estava muito escuro. Quando saiu da floresta, se deparou com um policial, o patrulheiro John Moore e eles procuraram juntos por um tempo, pois ele tinha uma. 

“Byers declarou que, quando voltou para casa após procurar na floresta “eram 11 horas em ponto”. Disse que deu dois telefonesmas: primeiro, para a polícia de West Memphis, a fim de saber “qual era a situação”, e em seguida para o gabinete do xerife, para perguntar “por que o esquadrão de busca e salvamento não viera ajudá-lo a procurar pelo filho”. Era aproximadamente meia-noite quando terminou os telefonemas, mais ou menos o horário em que Ryan dissera aos detetisves que o padrasto o mandara para a cama. Mas o relato de Byers é muito diferente. “Nos voltamos a procurar”, disse ele. “Aliás, eu e meu filho Ryan entramos no carro e fomos até o Blue Beacon Truck Wash.” Quando chegamos ao local, ele disse aos funcionários: “Escutem, três meninos estão desaparecidos [...] Vou passar por aqui, por trás da propriedade, buzinando e gritando, quero que vocês saíbam por que estou fazendo isso.” E continuou: “Então entramos lá em nosso pequeno carro prateado, com Ryan buzinando e eu gritando pela margem da floresta e ele meio que dirigiu o carro por lá,” Os dois então “buzinaram e gritaram por algum tempo” e ele caminhou na direção da floresta, ainda chamando pelos meninos. Mas, como ainda não tinha lanterna, não chegou ao outro lado. “Buzinamos e gritamos por um tempão”, disse aos detetives, “e depois voltamos.”.Ridge e Sudbury não mencionaram a declaração de Ryan de que fora para a cama à meia-noite. Nenhum deles perguntou a Byers por que Ryan teria omitido um episódio tão crucial em um relato sobre aquela noite. Ryan nunca foi interrogado acerca da discrepância. Não há registro de a polícia ter interrogado algum funcionário que tivesse trabalhado no último turno do Blue Beacon naquela noite nem de que a questão tenha surgido durante a investigação". (Nó do Diabo, página 52).

John Mark Byers chamou a atenção da polícia por muito tempo. E da defesa do West Memphis Three também. Ele tinha um certo envolvimento com a polícia local, chegando a promover festas em sua casa para autoridades locais. Era considerado, inclusive, um informante da corporação. Sua ficha criminal envolve agressão contra a ex-esposa, roubo e uso de drogas. Pouco tempo depois dos julgamentos, a família deixou a cidade, sob acusações de estelionato. Eles também roubaram artigos de luxo de um vizinho. No novo munícipio, Mark foi acusado de bater no filho de um morador e de delinquir um adolescente. Em 1996, a esposa de Byers faleceu em casa e a causa da morte foi inconclusiva. Melissa batalhava há anos contra o vício em drogas, mas até hoje muita gente desconfia de uma possível participação do marido no crime, a qual nunca ficou comprovada. Anos mais tarde, ele foi preso ao oferecer receitas de remédios controlados para um policial à paisana. Cumpriu apenas um período de tempo na prisão pelos oito anos que foi condenado. Um dos possíveis agravantes para que Byers tenha sido investigado imediatamente foi uma ligação que um dos detetives recebeu na época.

"O tenente Sudbury, codiretor da força-tarefa antidrogas, entrevistou uma mulher cujo filho estudava na escola primária. A mulher telefonou para a polícia logo depois que os corpos foram descobertos, dizendo ter informações sobre Byers. Quando o detetive Sudbury atendeu a chamada, ela disse que, no fim de 1992, fora a uma reunião de pais e mestres no auditório da escola. Lá, ouvira a diretora da escola falando com John Mark e Melissa Byers, que estavam sentados atrás dela. Conforme a mulher, a diretora dissera que "Chris tivera de ser expulso da sala naquele dia por estar perturbando a aula" e os Byers responderam que "haviam feito tudo que podiam e pensavam em mandá-lo embora". Depois que a diretora se afastara, o casal continuara a conversar sobre uma maneira de "se livrar de Chris." Sudbury registrou que contatara a diretora e que ela afirmava não se lembrar da conversa. E isso é tudo. Nenhum registro indica que os Byers tenham sido interrogados a respeito".  (Nó do Diabo, página 48)

Esistem outros aspectos que também apontavam para Byers e talvez por isso ele foi o único padrasto dos garotos a ser interrogado de forma efetiva pelos policiais. Alguns outros detalhes sobre ele eu deixarei para contar quando abordar um pouco mais sobre a investigação da polícia.

Os outros pais 

Steve Branch Sr em 2011


Steve Branch Sr, o pai de Stevie, também foi investigado. Ele tinha álibi para aquele dia e cedeu material genético para análise. Ricky Lee Murray, pai de Christopher Byers, estava em outro estado no dia dos crimes. Ele também tem um passado criminal. Na época dos assassinatos, estava cumprindo liberdade condicional por roubo em terceiro grau. Durante o interrogatório, Lee disse ao policial do Departamento de Polícia do Condado de Clark, localizado no estado de Indiana, que estava indo procurar por advogados naquele mesmo dia. Ele acreditava que a polícia de West Memphis não tinha feito uma boa investigação sobre a morte de seu filho.


Os últimos passos na floresta 


Ninguém sabe exatamente quando os três meninos se reuniram pela última vez e em que momento entraram na floresta em definitivo. A vizinha de Stevie na época, Jamie Clark Ballard, que também era colega de Ryan Clark, irmão de Christopher, viu os três brincando em seu quintal entre 17h30min e 18h30min. As casas não possuiam cercas, então era comum que as crianças invadissem os límites territoriais das outras casas. Eles estavam brincando no canal atrás das residências. Quando ela saiu na frente de sua residência, aproximadamente 18h30min, para ir até o grupo de jovens da igreja, ela viu Terry chamando os meninos para que fossem até ele. Ela chegou a dizer para Christopher ir para casa. Com um ar de rebeldia, o garoto disse: "Eu não vou fazer o que você está mandando". Carlos Seals, outro morador da região, disse ter visto os três meninos entrando na Robin Hood Hills às 18h30min, pela entrada da 14th, a rua de Christopher Byers. Eles estariam carregando sacos de dormir.

Os três meninos foram para a floresta e o que encontraram foi algo que era constante em suas vidas: violência e abuso. Só que dessa vez, eles não viveriam para conviver com as marcas deixadas por seus abusadores. As crianças só foram encontradas no dia seguinte. Eles estavam escondidos dentro de uma vala de escoamento, amarradas pelos pés e mãos. Segundo o legista, a causa da morte foi a seguinte: Michael, Stevie e Christopher tiveram traumatismo craniano. Michael e Steve foram jogados na água desacordados e morreram afogados. Christopher teria sangrado até morrer, pois foi encontrado sem os seus órgãos genitais. Ele também sofreu uma lesão na cabeça. Stevie, por sua vez, teria sido espancado antes da morte, pois parte do seu rosto estava desfigurado. Eles tinham vários ferimentos em seus corpos, como arranhões, etc. Essa foi a conclusão do médico da época, Frank Peretti. Alguns médicos que avaliaram as fotos anos mais tarde contestam a teoria de que os ferimentos encontrados nos corpos tenham sido feitos por uma faca de sobrevivência, teoria apresentada pela promotoria do caso na época. Segundo eles, os meninos foram mortos com uma pancada na cabeça e jogados inconscientes na água. Os ferimentos posteriores, assim como a emasculação de Byers, foram feitos por animais. Por isso a ausência de sangue em excesso no local do crime. A área de Robin Hood Hill possuí muitas tartarugas. Tanto que uma região muito próxima do local chama-se Turtle Hill. Os seguintes médicos contestaram o relatório da autopsia de Peretti: Dr. Vincent J. M. Di Maio, patologista anatômico, clínico e forense certificado pelo conselho e consultor particular de patologia forense, autor dos livros Gunshot Wounds: Practical Aspects of Firearms, Ballistics, and Forensic Techniques, Morgue: A Life in Death, Handbook of forensic pathology, O Segredo Dos Corpos, Excited Delirium Syndrome: Cause of Death and Prevention, entre outros; O patologista forense Werner Uri Spitz, o qual trabalhou nos casos, como o assassinato de Martin Luther King e do presidente John F. Kennedy; Michael P.Tabor, dentista de Nashville, Tennessee, e Odontologista Forense Chefe, Examinador Médico do Condado de Davidson e Estado do Tennessee, desde 1985; Terri L Haddix, especialista em Patologia Forense, diretor técnico do Forensic Analytical Crime Lab; Drª Janice Ophoven, patologista forense pediátrica, a qual contribuiu para vários casos nos EUA e internacionalmente; Richard R. Souviron, dentista forense que trabalhou no caso de Ted Bundy, fazendo a análise da arcada dentária do assassino.


John Douglas, ex-agente do FBI que trabalhou no caso, conhecido por seu talento e precisão em traçar perfis de criminosos,  escreveu sobre suas impressões sobre quem seria o assassino dos três garotinhos em trecho de seu livro, Law and Disorder:

“Isso não seria um assassinato. Foi cometido por alguém cuja intenção inicial não era matar as vítimas, mas sim  provocar, punir e/ou "ensinar-lhes uma lição.” A razão para esta conclusão é que o agressor não matou imediatamente as vítimas. Eles estavam vivos durante o período de tempo que foram despidos e amarrados. Na minha opinião, o (a) ofensor(a), foi muito longe com sua provocação e punições e sabia que ele estaria implicado se deixasse as crianças irem porque ele conhecia as vítimas e vivia na área próxima. Há outra razão criminal lógica e racional do porquê o ofensor escondeu suas vítimas, suas roupas e bicicletas no arroio e na vala de drenagem. O ofensor não queria que as vítimas fossem encontradas imediatamente, porque ele precisaria de tempo para estabelecer um álibi para si mesmo. [...] Eu classificaria o individuo como um ofensor organizado e descrevo ele como sendo centrrado em si mesmo, egocêntrico e narcisista. Ele se ressente de pessoas, mas não evita situações sociais. Ele vê nas situações sociais uma oportunidade de manipular e usar os outros para seus ganhos pessoais. O tipo organizado é consciente em não deixar evidências no local que poderiam ser forensicamente ligadas a ele. Despir as vítimas, amará-las como porcos, usando paus para submergir e ocultar as roupas das vítimas, jogando suas bicicletas na água, tudo reflete a mente criminosa do infrator”.

Talvez o assassino estivesse muito próximo das vítimas. Poderia ser um parente, um vizinho. Essa é uma hipótese que não pode ser descartada dentro desse grande enigma, o qual precisa ser desvendado, pois três jovens foram mandados para a prisão por este crime. E eles não foram exonerados ainda. Eu vou falar sobre eles em algum momento. Mas primeiro, gostaria de discutir sobre pessoas e aspectos que deveriam ter sido investigados pela polícia de West Memphis em 1993.

Bibliografia citada

Nó do Diabo - Mara Leveritt — Editora: Record.

Law & Disorder: The Legendary FBI Profiler's Relentless Pursuit of Justice - John E. Douglas e Mark Olshaker — Editora: Kensington.


 

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