Men Behind the Sun (1988) — Dir: Mou Tun-fei

 




O longa Evil Unbound (731), dirigido por Zhao Linshan, foi lançado recentemente na China e está causando grande repercussão no país. A obra retrata os experimentos médicos, químicos e biológicos realizados pela infame Unidade 731 do exército japonês em Harbin, uma cidade no nordeste da China, que na época fazia parte da Manchúria, o estado-fantoche japonês.

Comandado pelo general Shirō Ishii, o programa ultrassecreto, desenvolvido a partir de 1937, é considerado um dos capítulos mais bárbaros da história. Os militares usavam prisioneiros chineses, coreanos, mongóis e soviéticos em experimentos horrendos. Estima-se que cerca de 300 mil pessoas tenham passado pelo campo de concentração. A revolta da China com esse episódio é compreensível, já que 70% das vítimas eram chinesas e as atrocidades foram cometidas em seu próprio território.



Dentro da sede do programa, os japoneses tinham uma criação de ratos para criar peste bubônica como arma química, além de desenvolver outras patologias como cólera e tifo. Esses patógenos foram, inclusive, liberados em algumas regiões da China para testar sua eficácia, provocando epidemias.

Mas essa parece ser a parte mais "leve" da história. Além dos testes biológicos, os japoneses realizavam experimentos médicos cruéis em suas cobaias. Eles deixavam bebês ao relento no inverno para determinar o tempo de óbito, congelavam os braços de prisioneiros e os quebravam com objetos contundentes, e colocavam algumas vítimas em câmaras frias com temperaturas de até -50°C. A prática da vivissecção era comum, realizada em bebês, crianças e adultos, e sem anestesia. Alguns corpos eram contaminados com doenças criadas em laboratório. Eles também realizavam cirurgias bizarras, como a retirada de um membro e o implante de outro, faziam testes de gangrena e cortavam pessoas ao meio para observar o tempo de morte. Outras práticas incluíam pendurar pessoas de cabeça para baixo e testar altitude em câmaras de alta pressão até que os órgãos das vítimas explodissem.

No exterior do campo, os japoneses prendiam prisioneiros em pontos distintos para usá-los como alvos de armas, incluindo bombas. Infelizmente, não existe um modo fácil de falar sobre esse caso. Para tornar a situação ainda mais revoltante, os cientistas que participaram desses experimentos, incluindo o general Shirō Ishii, receberam um perdão dos Estados Unidos em troca dos resultados de suas pesquisas.

Diante da polêmica em torno do novo filme, resolvi tirar da gaveta o longa de Hong Kong Men Behind the Sun (1988), dirigido por Mou Tun-fei, que estava na minha lista há muito tempo, mas que eu nunca tive coragem de assistir. Após ouvir um podcast sobre o assunto, decidi assisti-lo, e isso me permitiu um outro tipo de apreciação sobre a produção.

O cineasta Mou Tun-fei já era conhecido em Hong Kong por seu trabalho exploratório. Em 1980, ele dirigiu Lost Souls, um drama cheio de violência que narra a história de imigrantes abusados das formas mais horripilantes. Esse filme tem a reputação de ser "maldito" e pertence à categoria III do cinema de Hong Kong, um selo criado na década de 1980 para classificar produções com conteúdo gráfico, violento e sexual.

Em 1988, Tun-fei embarcou em sua segunda produção mais controversa: o drama de guerra Men Behind the Sun, considerado por muitos como um dos filmes mais horripilantes da história do cinema. Antes de assisti-lo, tentei me inteirar sobre a história do que ocorreu em Harbin. Isso foi crucial, pois com o contexto, percebi que a produção, apesar de parecer sensacionalista, é uma peça extremamente importante para documentar os horrores praticados pela Unidade 731.

Tudo o que é visto na tela não é uma invenção do diretor ou uma tentativa de chocar, como muitos detratores argumentam. As cenas violentas são uma reconstituição dos horrores reais. Para trazer mais veracidade, Mou Tun-fei inclusive usou corpos humanos reais em algumas cenas, o que, embora controverso, adiciona um tom ainda mais documental à película. Por conta desses elementos, o longa foi banido em várias partes do mundo.

Eu concordo que estamos diante de um filme que não é fácil de ser assistido, mas ele é um relato crível do que ocorreu na Manchúria. Muitos críticos, por causa dos trabalhos anteriores do cineasta, argumentam que ele queria apenas chocar e optou pelo sensacionalismo. No entanto, serei a advogada do diretor: não existe outra forma de abordar o que ocorreu por trás dos portões da Unidade 731. As práticas japonesas mostradas no filme realmente aconteceram. E como esse assunto demorou anos para ser divulgado, acho importante que o filme seja mesmo extremamente cru, denso e perturbador. Ele conscientiza a audiência sobre as atrocidades cometidas pelo exército japonês. Em um local onde só ocorreram coisas horríveis, não é possível mostrar uma versão "higiênica" do terror. Por isso, considero a obra tão corajosa. 

Preciso também mencionar os aspectos técnicos: a direção de fotografia, os figurinos e os cenários formam um trabalho primoroso e denso. Você é transportado para a China dominada pelo Japão.  É uma obra com orçamento limitado, mas realizada por uma equipe de profissionais talentosos´e preocupados com a apuração histórica. No quesito atuação, é impossível não falar sobre Gang Wang, que interpreta o general Shirō Ishii, uma das figuras mais diabólicas da história. O ator consegue reproduzir com veracidade a frieza e o calculismo do militar, personificando o próprio espectro do mal.

Falar desse momento histórico não é uma tarefa fácil. Mou Tun-fei pode ter recebido a fama de sensacionalista, e talvez tenha escolhido o tema por ver a possibilidade de criar uma obra chocante, mas consciente ou inconscientemente, seu filme é bastante fiel na reconstituição dos fatos. Não há uma forma sutil de abordar esse assunto; é preciso "descer ao inferno" para falar dos horrores da Unidade 731. Compreendo a opinião de quem não gostou e o viu como um mero exploitation, mas, na minha concepção, ele é muito importante por resgatar o horror perpetuado pelos japoneses. Cinema também tem que gerar desconforto e a produção foi lançada em um período em que os países evitavam falar sobre o tema e o Japão não assumia nenhuma das atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra Mundial. 

Porém, gostaria de manifestar meu descontentamento com o seguinte fato: Men Behind the Sun é uma produção necessária, mas o tema foi transformado em uma franquia de quatro filmes de horror. Dois outros longas abordam os crimes da Unidade 731 de forma ficcional. O quarto filme, também dirigido por Mou Tun-fei, fala sobre o Massacre de Nanquim, outro episódio horrendo executado pelo exército imperial japonês em terras chinesas. Moralmente, considero isso muito errado, pois não estamos lidando com um tópico ficcional. Esses outros longas esvaziam o trabalho de Tun-fei na primeira película, onde ele de fato quis educar a audiência sobre o assunto. Ao criar novos filmes, os cineastas precisam inventar novos tipos de violência, saindo do campo da reconstituição histórica e entrando puramente no sensacionalismo barato, o que também é um grande desrespeito com a memória das vítimas.

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